A profunda convicção nas virtudes do desporto levou-me, de forma não premeditada, a inscrever-me em 3 maratonas com escassas semanas de intervalo. Não necessito que me apontem a insensatez desta aventura... Estou consciente que a dose tripla colide com os saudáveis valores do desporto. Depois de calçar os ténis em Março em Barcelona, em Abril em Madrid, estavam pendentes os 42 quilómetros da maratona do Luxemburgo.
Aluguei um pequeno Hyundai i20 para passear e conhecer Colmar e Estrasburgo na região da Alsácia, em França, e passear um pouco pela região alemã Sarre (Saarland em alemão).
Colmar, na época natalícia, sobressai pelo seu famoso mercado. Em Maio, quando não se vislumbram renas a sobrevoar as chaminés, antecipei um ambiente tranquilo... Iludi-me. A cidade é (demasiado) turística e vive sedenta de forasteiros. É um acolhedor mundo encantado onde aparentemente ainda vivem pessoas.
Gostava de me ter sentado junto aos pequenos canais, que atravessam a cidade, a ver a água a fluir… Porém o fluxo de mini-barcos carregados de turistas num sobe-e-desce constante desmotivou-me. É demasiado movimento para canais tão pequenos. Há filas de pessoas alinhadas nos cais para embarcar nas mini-voltinhas. Sinto que actualmente se transformam locais agradáveis em parques temáticos e em campos de férias.
Rumei 70 quilómetros a norte para Estrasburgo. Não sei porquê mas Estrasburgo não me soa tão bem como Strasbourg. Provavelmente as traduções dos nomes, de maneira geral, não me convencem… Lisboa não é Lisbon, Lisbonne ou Lissabon. Lisboa é Lisboa. Madrid é Madrid.
No centro da cidade senti-me completamente engolido pela multidão. O turismo em Colmar era afinal uma brincadeira! Em Estrasburgo desapareci no meio de tantas pessoas. Não consegui aproveitar o centro como desejava. Poderei ter perdido uma cidade maravilhosa mas as ruas eram intransitáveis. Sei que a minha viagem coincidiu com um feriado e que isso potencia as escapadas e os passeios turísticos mas estava insuportável... Eventualmente num dia “normal” tudo será diferente.
Refugiei-me no Parc de l'Orangerie junto às instituições europeias onde respirei fundo mas o meu desejo por cidades já se tinha esfumado. O caminho não era voltar atrás e importava, como sempre, aproveitar o tempo.
De Estrasburgo, que publicita a sua identidade europeia, foi um passo para entrar na Alemanha. Aliás, se não fosse o GPS nem teria consciência de cruzar a fronteira. Eliminei da rota aglomerados populacionais e procurei no verde da natureza o encanto do mundo. Dirigi-me para Saarland, estacionei o carro em Ensdorf, e iniciei um trilho que me levou até ao hipnotizante Saar Polygon. Contemplada desde a autoestrada a estrutura metálica, no topo de uma colina, parecia inacessível.
A instalação varia de forma consoante a perspectiva. É um fenómeno mágico e sedutor no qual as vigas de metal dançam à frente dos nossos olhos. Dei voltas à base, demorei-me e disparei sem cessar o obturador. Sinto que se conseguiu uma perfeita sintonia entre o espaço e a obra. As chaminés industriais no horizonte não incomodaram, são parte do passado industrial que a arte invoca.
A paragem seguinte foi em Orscholz para espreitar o Treetop Walk Saarschleife e subir a majestosa torre erguida na margem do Rio Saar. É necessário comprar um bilhete para caminhar pelos passadiços elevados onde, num ambiente familiar, as crianças se divertem. Por fim, no Saarschleife, ergue-se o miradouro como um trono elevado para o rio que se contorce no fundo do desfiladeiro. A obra humana no meio natural fascina-me.
A chegada ao Luxemburgo significou trocar a máquina fotográfica pelos ténis e pouco passeei pela cidade (que já tinha visitado em 2015). Nunca é fácil romancear os 42 quilómetros de uma maratona pois o corpo contorce-se ofendido com a aventura.
Porém arrisco-me a resumir brevemente um par de ideias: a maratona não cativou muitos participantes (terminaram pouco mais de mil); a partida ocorreu às 19 horas e no meu caso terminou de noite a atravessar zonas pouco iluminadas; o percurso é um verdadeiro labirinto pela cidade e está longe de ser plano; fiquei deslumbrado com o apoio popular mesmo em zonas distantes do centro.
Várias famílias montaram na rua mesas improvisadas para, durante o seu jantar, incentivar os atletas que lentamente passavam! Já li várias vezes "If you're ever losing faith in human nature, go out and watch a marathon" e eu acredito nisso. O desporto tem o dom de nos aproximar e de gerar empatia. Numa maratona vemos desconhecidos que se apoiam sem pedir nada em troca e que celebram as vitórias uns dos outros. Como sempre deveria ser.
Paulo Vyve