Não foram férias porque quatro dias fora de casa não são férias. Foi um fim-de-semana prolongado, como todos deviam ser, em que se agarra numa mochila e se parte para não muito longe. Sempre que partilhei a ideia de visitar o Luxemburgo torceram-me o nariz. O país está associado à emigração, à diáspora, e a probabilidade de ouvir a língua portuguesa projectava o comentário: “vais viajar para ver portugueses”?
Felizmente, e essa é uma dádiva de qualquer viagem, a realidade surpreende. É preciso ir, pisar o terreno, para se formar opinião. Os relatos na revistas, as crónicas online, o senso comum ou as histórias de amigos são visões pessoais. As partilhas são bem recebidas mas opiniões não se copiam.
Directo ao preconceito no Luxemburgo ouve-se português em quase todas as ruas. É agradável ouvir esta língua viva que transcende a comunicação e se transforma numa identidade. Há bandeiras nas vitrinas das lojas e há café de Portugal (o que além de importante é bom).
Acredito que, uma parte dos portugueses com que me terei cruzado não concebem o que leva um viajante luso ao Luxemburgo. Por duas vezes em que denunciei ser português (“olá”, “bom dia”) a conversa (com portugueses) continuou em francês ou inglês… A honestidade obriga-me a frisar que nem sempre assim foi: recebi e ofereci vários sorrisos em bom português! Compreendo que o país é um sinónimo de trabalho não de lazer. As férias são na “terra”! Que curiosidade sombria será essa por uma “terra” de trabalho?
O Luxemburgo é um país pequeno e a capital, com o mesmo nome, pequena tinha de ser. A geografia da cidade é incomum: um planalto, um pequeno vale a serpentear com um fio de rio a secar, edifícios sempre baixos mas aglomerados e, afastado do centro, a zona europeia de Kirchberg com as suas torres visíveis ao longe. Note-se que, apesar dos desníveis acentuados as bicicletas aceleram entusiasmadas.
Há duas praças principais na cidade, Place D’armes e Place Guillaume II, que são o epicentro da zona antiga. As ruas pedonais estão apinhadas de turistas mas rapidamente se caminha para outras bandas. A Boulevard F. D. Roosevelt e a Place de la Constitution oferecem uma voyeurista perspectiva sobre o Valée de la Pétrusse, o vale forrado de árvores com casais mais ou menos escondidos, e o desinteressante Quartier Gare, a sul da cidade, para onde segui. Não me demorei mas deliciei-me na galeria subterrânea do Am Tunnel (situada no piso -4 de um banco) com a exposição permanente do fotógrafo Edward Steichen. Os intermináveis corredores com as paredes recheadas de obras criam um ambiente singular.
Desci depois para o Valée de la Pétrusse a caminho das margens do Rio Alzette, deambulei, como se estivesse perdido, pelo antigo e acolhedor bairro Grund. A chuva que no céu ameaçava não incomodou ali em baixo.
Subi para as Bock Casemates escavadas no rochedo. Os túneis e as galerias surgiram com propósitos de defesa no século XVIII e desde então tiveram diversas utilidades e utilizações. Se é verdade que não apreciei o espaço, meras paredes despidas e labirintos mal iluminados, aproveitei a cobertura quando a chuva mostrava finalmente o seu rugido. Já na rua percorri o Chemin de la Corniche, com vistas referenciadas para o Grund em baixo.
Passeei ainda pelo enorme Parque Municipal Edouard André, entrei no parco Musée d’Histoire de la Ville de Luxembourg e rumei à moderna Kirchberg que num dia não útil tem as suas avenidas desertas. Além do The Three Acorns Park, merecem destaque as torres que espelham o céu no final do dia e o edifício da Philharmonie Luxembourg.
Saí da capital e visitei Vianden, nas Ardenas. A escassos 50 quilómetros a pequena cidade cresceu num vale com um castelo no topo facilmente alcançável após uma panorâmica viagem de teleférico.
O reputado castelo, que atrai inúmeros visitantes, é uma desilusão tremenda: o espaço totalmente reconstruído no final da década de 70 não está cuidado com o requinte que o preço do bilhete sugere. Desci pela colina no regresso à cidade onde o tempo passou despercebido. Entre voltas e voltinhas despedi-me de Vianden.
Antes de embarcar no voo de regresso, parei em silêncio no vizinho e imponente Luxembourg American Cemetery and Memorial. Se na génese da visita não estava uma homenagem premeditada, às mais de 5.000 sepulturas, leva-se à saída um melancólico respeito pelo pesadelo da guerra.
Embarquei no voo de regresso a casa convicto que mais alguns dias me permitiriam visitar o interior verde do país. Contudo, caminhei o suficiente para assegurar que o Luxemburgo não é o país oco que se teme.
Paulo Vyve