Finda a época alta, que por Lisboa não foi generosa com os veraneantes, parti para Malta crente que o Mar Mediterrâneo seria a resposta para a crise de valores que assombra as estações do ano. As praias são óptimas (a temperatura da água não permitia outra coisa)! A areia, que não abunda, varia entre o cinzento escuro e o castanho avermelhado. Sem um percurso programado estendi-me, ao longo dos dias, na Paradise Bay, com vista para Gozo, Ghajn Tuffieha Bay, Golden Bay e Mellieha Bay.
Na sua reduzida dimensão a ilha não é plana. O sobe e desce é constante. Uma pequena viagem de carro de Qawra até Valletta, a cerca de 15 quilómetros, demora no mínimo meia hora. Entre obras e interpretações individuais do Código da Estrada é uma alegria estacionar o carro sem danos a reportar. Acrescente-se que, por herança do domínio britânico, a condução é do lado errado da estrada (sim, com o volante à direita).
A paisagem é seca, escassa em vegetação e as estradas estão desgastadas. As pequenas povoações, em tons baços e com construções inacabadas ou abandonadas, surgem no caminho entre curvas e contracurvas.
Valletta não é o principal destino turístico da ilha embora possua as únicas zonas comerciais com marcas internacionais. Outras áreas, maioritariamente a norte, possuem uma oferta balnear e nocturna mais vasta. Em Setembro não há congestionamentos de turistas mas não faltam italianos e ingleses por todo o lado. Qawra, onde pernoitei, é uma autêntica “British Town”.
Passeei alegremente pelas ruas e ruelas da capital fugindo da chuva que, apenas nesse dia, se fez sentir em nuvens espaçadas mas carregadas de fúria. Entrei na zona histórica pela City Gate, junto à Triton Fountain, subi para o Upper Barrakka Gardens, caminhei para a Pjazza San Gorg e em ziguezague segui para o Fort St Elmo na outra ponta da cidade. Regressei lentamente, depois de visitar o Lower Barrakka Gardens, deambulando por ruas menos diretas. À medida que a tarde avançava as ruas ficavam vazias de gente.
As fachadas dos edifícios destacam-se pelas varandas em madeira, pintadas em tons secos, que se precipitam para as ruas. A cidade construída entre os séculos XVI e XVII foi estudada: a altura dos prédios, a largura das ruas e a linearidade das estradas protegem as pessoas do sol quente e permitem a circulação das brisas marítimas.
Visitei igualmente Mdina, no segundo ponto mais alto da ilha, mas a vista, embora ampla, não é fabulosa. Mdina é apelidada como a Cidade do Silêncio porque, distante do resto da ilha e com os seus poucos habitantes, não há focos de ruído. Assim será à noite mas de dia as legiões que descem dos autocarros cruzam ruidosamente todas as ruas sem excepção. Mas há pior: as carruagens puxadas por cavalos escravizados percorrem aceleradas as estreitas ruas com ininterruptos toques de sineta.
A pequena Mdina está colada à citadina Rabat que além do interesse religioso inerente à Catedral de S. Paulo pouco interesse turístico tem. É uma cidade ocupada pela população local.
Marsaxlokk, na costa oriental da ilha, é uma vila piscatória que atrai pelas cores dos barcos na baía e pelo mercado semanal aos domingos. A zona à beira-mar transforma-se numa longa feira onde tudo se vende: roupa, fruta, calçado, peixe, souvenirs, frutos secos a granel, bugigangas electrónicas, imitações de relógios…
Na ponta da vila há uma pequena praia utilizada pelos habitantes locais, com gelados duvidosos vendidos por menos de 1 euro, e com vista para uma fábrica cuja chaminé sobe aos céus. Chapéus de sol e piqueniques montados na areia reúnem as famílias. Questiono-me sem ironia: importa o local quando a companhia é a desejada?
Uma nota que já devia ter sido mencionada: Malta não é uma ilha é um arquipélago. Ao alcance da vista e a poucos minutos de ferryboat estão as ilhas de Gozo e de Comino.
Gozo é um reflexo da ilha maior. A beleza natural na Azure Window é imperdível e justifica a viagem até Dwejra no extremo ocidental. Pouco mais surpreende: as praias repetem a convidativa água quente, as pequenas vilas encontram-se ligadas por estradas cujo pavimento foi esquecido (ou está em remodelação lentíssima) e os desvios rodoviários obrigam o carro a aventurar-se por caminhos onde os retrovisores não passam. Visitei a vila piscatória de Xlendi, totalmente devota a esplanadas, e terminei o dia na costa norte na praia de Ramla Bay.
Comino, entre Gozo e Malta, é uma pequena ilha sem população residente que todos os dias é visitada por dezenas e dezenas de turistas. O motivo é a Blue Lagoon que em mar aberto, num estreito formado com a pequena ilha de Cominotto, reflecte na água transparente um azul vivo. O azul é absurdamente fotogénico e embala o olhar nas ondas que não existem. Falta areia mas usa-se a encosta da ilha para estender a toalha. O calor não faltou e inúmeras vezes regressei à água enquanto as horas passavam aceleradas.
Mesmo num local onde as pequenas e ágeis lagartixas parecem ser a maior ameaça importa nunca esquecer que aquela piscina de água quente é um mar cujos perigos não podem ser ignorados: soaram berros desesperados e os nadadores salvadores (com ajuda dos banhistas) retiraram da água um corpo inconsciente. Já na margem o homem regressou da sua última viagem. A salientar: os meios de emergência funcionaram (surgiu um barco-ambulância em escassos minutos que retirou a vítima da ilha); os imprevistos acontecem a uma velocidade assustadora.
A viagem para Malta implicou uma escala em Madrid que aproveitei para prolongar as férias. Caminhei pela cidade e não pude ignorar a dimensão da multidão. As ruas em torno da Puerta del Sol estão cheias de pessoas que rapidamente sobem para a Gran Vía ou que descem ainda mais apressadas para o metropolitano. Era impossível que esta massa urbana não reflectisse os problemas de todas as grandes cidades: a mendicidade assente em enfermidades físicas está exposta numa sequência de ruas sem interrupção.
Mais do que as famosas praças (Plaza Mayor, Plaza de España, Plaza de la Cibeles) gostei dos parques da cidade com destaque para o Parque de El Retiro. Com a chuva que sem grande pudor foi escurecendo os céus aproveitei para longas visitas no Museo Thyssen-Bornemisza e Museo Nacional Reina Sofía. As férias terminaram com a agradável sensação de ter descansado o corpo e a mente. Foi bem empregue o tempo que nunca sobra.
Paulo Vyve