A nocturna aterragem no Aeroporto Schiphol, após uma curtíssima escala em Palma de Maiorca, implicou que o caminho até ao hotel, situado no sul da cidade de Haarlem, fosse percorrido de táxi. O condutor, eventualmente oriundo do norte de África, não falava inglês e atrevo-me a garantir que o seu holandês não era melhor…
No dia seguinte iniciou-se o desbravamento de Amesterdão. Com partida na Centraal Station caminhou-se até à Praça Dam que se mascarava para o aniversário da rainha, o Koninginnedag. Mesmo assim foi possível espreitar a fachada do Koninklijk Paleis, da Nieuwe Kerk e contemplar o Nationaal Monument em memória das vítimas da Segunda Guerra Mundial. Um pouco ao lado estava a Magna Plaza, o primeiro centro comercial de Amesterdão.
De seguida atravessaram-se as portas do grande Amsterdams Historisch Museum, o museu histórico da cidade. Entre diversas obras, que testemunham a evolução da cidade ao longo dos séculos, destaco as pinturas de Rembrandt do século XVII com temáticas menos poéticas.
A caminhada na planíssima cidade de Amesterdão continuou pelo bairro da Nieuwe Zijde e posteriormente pelo Oude Zijde, respectivamente a Margem Nova e a Margem Velha. A ponte Torensluis, sobre o rio Singel, a Oude Kerk, a porta medieval Waag, a Nieuwmarkt, a Zuiderkerk e o Bairro da Luz Vermelha foram locais de passagem.
Correndo o risco de ser demasiado conservador afirmo que o Bairro da Luz Vermelha é repugnante. Os argumentos baseados na higiene, na salubridade e na dignidade das pessoas até são razoáveis mas a minha visão apresentou-me um supermercado de carne humana, onde o sexo, além de ter um preço, é apregoado, oferecido como uma pechincha na feira da ladra. Depois de presenciada a realidade e de aferida a dimensão deste “ninho de amor” não mais pisei tais ruas.
Igualmente polémicas são os cafés onde o consumo das “drogas leves” é permitido. Há imensas, facilmente identificadas pelas vitrinas e pelo odor que se propaga pela rua.
As bicicletas são uma constante em todas as ruas. Milhares, milhares de milhares de bicicletas circulam nas suas faixas, nas estradas, nos passeios para os peões e se necessário em sentido contrário sem respeito pelos sinais luminosos. Apesar da eminente colisão entre peões e bicicletas ainda há alguma ordem no aparente caos. O parque para bicicletas na Centraal Station é majestoso com os seus três andares totalmente esgotados! Malvadas são as sete colinas de Lisboa…
A 30 de Abril festejou-se o aniversário da Rainha Juliana e Amesterdão manchou-se de laranja! Centenas de milhares de pessoas ocupam de forma compacta o centro da cidade que é vedado aos transportes. É comum encontrar os habitantes, em bancadas improvisadas, a venderem aquilo que deixou de ser útil enquanto algumas crianças tocam o seu instrumento musical à porta de casa. Há concertos em diversos pontos da cidade, os bares estendem as esplanadas pela rua e montam palcos para que a música e a dança se elevem a outra dimensão. Nos canais os barcos com mini festas a bordo constroiem um tapete que quase esconde a própria água! Numa cidade onde há liberdade para quase tudo os excessos são potenciados pela euforia generalizada.
Face à agitação a Westerkerk e a Anne Frankhuis foram só observadas por fora. Percorreram-se os agradáveis canais Prinsengracht, Bloemgracht e o Egelantiergracht onde vários barcos atracados servem de residência. Visitou-se também a Haarlemmerpoort e as ilhas ocidentais antes do Van Gogh Museum que é extremamente agradável.
O último dia, antes da viagem para a Bélgica, começou com uma viagem de barco de mais de uma hora pela cidade. A água reparte-se por dezenas de canais atravessados por centenas de pontes. A bordo a cidade tem um encanto especial.
O Rijksmuseum não impressionou por dentro apesar de ser imponente por fora. As expectativas superavam a realidade. Espreitou-se o Vondelpark.
O Foam Fotografiemuseum apresentava três exposições fotográficas: School de Raimond Wouda, El Raval de Joan Colom e Testimony de James Nachtwey. O trabalho de Raimond Wouda dedicado ao comportamento da juventude holandesa é simples mas interessante; as curiosas fotografias de Joan Colom demonstram a prostituição e o crime entre 1958 e 1961 num bairro de Barcelona; a reconhecida obra de James Nachtwey, debruçada sobre várias crises humanitárias, é comovente com as suas imagens cruelmente reais.
Na hora de fechar a mala interiorizei que nos Países Baixos se respira uma cultura de liberdade. A cidade apresenta diferentes personalidades para se adaptar aos desejos privados de cada pessoa. Sem estigmas. Sem olhares de censura.
A viagem de comboio para a bilingue Bélgica foi realizada em escassas horas. A existência de belgas francófonos e de belgas flamengos era conhecida mas uma fronteira tão vincada não era imaginada. Se umas cidades são francófonas e outras flamengas Bruxelas sobrepõe as duas línguas! A própria cidade e o país possuem diferentes nomes: Bruxelles e Belgique em francês; Brussel e België em flamengo… Exclusivamente por me serem mais familiares, adopto as designações francesas para a capital.
Pousadas as malas procurámos a Grand Place. A praça é impressionante pelos edifícios que a delimitam. A fachada do Hôtel de Ville é riquíssima, minuciosamente elaborada!
Bastante perto encontra-se um enorme vulto da cidade apesar dos seus escassos trinta centímetros! A estátua do Manneken Pis é envolvida por uma multidão ansiosa!
O Musées Royaux des Beaux-Arts, que incorpora no seu interior o museu de arte antiga e de arte moderna, dispunha de aprazíveis exposições.
Com o sol já a desejar descanso espreitou-se o Parc de Bruxelles, a Cathédrale Sts Michel et Gudule, as faustas Galeries Royales St Hubert e namoraram-se algumas lojas de chocolates.
O jantar foi na flamenga e estudantil cidade de Leuven. Aposto que naquele ambiente acolhedor um estudante, excepto nas tenebrosas épocas de exames, é facilmente tentado a ser feliz.
O último dia exclusivamente dedicado a Bruxelas começou na Square Ambriorix, continuou pelos edifícios da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu. Desceu-se o Parc Léopold e subiu-se o Parc du Cinquantenaire com o Arco Central no horizonte. Por culpa do tempo que pressionava só se visitou metade do Musées Royaux d’Art et d’Histoire. Tenho a certeza que a outra parte era muitíssimo mais interessante…
Subiram-se os cem metros do Atomium, provavelmente o maior símbolo da cidade, e entrou-se no Centre Belge de la Bande Dessinée onde o Tintim, o Asterix e amigos compõem o cartaz.
Fora da capital os guias turísticos aconselham entusiasticamente uma visita às cidades flamengas de Brugge (Bruges em francês) e Gent (Gand em francês). De comboio chegou-se facilmente ao destino.
Apesar de dedicada quase em exclusivo ao turismo a cidade medieval de Brugge é uma ternura. Os edifícios e as ruas tornam o espaço acolhedor. Os canais que se cruzam com as ruas permitem passeios de barco que oferecem uma nova e atraente perspectiva.
Há vários locais de interesse como o antigo Hospitale Van Sint Jans adaptado a museu, a Onze Lieve Vrouwekerk que aloja a escultura “Madonna and Child” de Michelangelo, o Belford que se ergue na Markt e a câmara municipal na praça Burg. No entanto, o maior valor da cidade de Brugge está no conjunto do seu património bem preservado.
No Belfort estava presente uma exposição de cem esculturas em bronze de Irenee Duriez. Excelente surpresa!
Em Gent o turismo tem um espaço de relevo mas existe bastante vida além desse fenómeno. Há pontos merecedores de uma visita mas não estão tão bem cuidados e aproveitados como na vizinha Brugge. A Sint Niklaaskerk, o Belfort, a Sint Baafskathedraal, a Vrijdag Mark e o castelo Het Gravensteen atrevem-se a passar despercebidos no meio da vida quotidiana dos locais.
O último dia da viagem foi vivido, em terreno francófono, em Namur. No lado sul da cidade, no cimo da colina, está a Cidadela que garante uma óptima vista e um ainda melhor local para de bicicleta desafiar a gravidade.
No centro da cidade nada de único. O Parc Louise-Marie tenta quem passa ao descanso.
Acredito que facilmente me habituava a viver tanto em Amesterdão como em Bruxelas. No entanto, aterrar em Lisboa é particularmente confortável quando na bagagem se esconde a nata dos chocolates belgas.
Paulo Vyve