Não sendo possível estabelecer uma fronteira exacta e permanente entre o Oceano Atlântico e o Mar Mediterrâneo assume-se que o Estreito de Gibraltar é a sua separação natural. As águas profundas reflectem ainda a distância e a proximidade entre dois continentes diametralmente opostos. A Europa, a norte, olha com rasgos de superioridade para África, a sul, sem que, no entanto, alguma vez tenha deixado de beber as suas influências.
A importância histórica da região explica como em tão reduzido espaço se travaram inúmeras batalhas e como ainda hoje existem em ambas as margens pequenas cidades que ousam saborear a soberania em nome de importantes caprichos estratégicos. São os valores mais altos que justificam a guerra.
Tarifa, a cidade mais meridional de Espanha, foi o ponto de partida. Sem razão tinha imaginado uma cidade envelhecida onde além do porto pouco ou nada mereceria ser visto. Enganei-me e Tarifa revelou-se uma agradável surpresa.
Apesar de milenar a cidade respira um ambiente descontraído e moderno. Imensos jovens deslocam-se para Tarifa na senda das actividades aquáticas que abençoam o vento que se quer sentir. O comércio local, nas suas bizarras horas de funcionamento, é colorido e acolhedor desde o Castillo Guzmán El Bueno até à Puerta de Jerez.
Gibraltar, o rochedo que baptiza o estreito, é um território independente onde o Reino Unido ainda nomeia um “governor”. Espanha ousa reclamar o terreno mas a população rejeita a mudança hasteando um “British we are. British we stay”. É a voz do povo.
Com as formalidades fronteiriças concluídas, iniciou-se uma breve visita à cidade que era importunada pela chuva. Rumou-se até ao Europa Point antes de começar a subida do rochedo rumo à Upper Rock Nature Reserve onde se visitaram os túneis militares escavados durante o Great Siege, a St. Michael’s Cave e o Moorish Castle.
A permanência na reserva natural implicou encontros imediatos com comunidades de Macacos de Gibraltar… Os avisos para não alimentar os símios sucedem-se e alertam para potenciais mordidelas. É igualmente necessário proteger os bens pessoais porque as criaturas primam na ladroagem. Que fique registado: não gosto de macacadas.
Sem esforço, apesar da ténue neblina que inibe a nitidez plena, os olhos alcançam Marrocos do outro lado do estreito. A travessia demora pouco menos de um hora nos velozes catamarãs e Tanger cresce na margem. A Medina no topo de uma pequena colina destaca-se pela cor branca dos edifícios que quase colados apenas são cortados por estreitas ruas.
Na Medina e na Kasbah, a antiga fortaleza portuguesa, existe um intenso colorido que apenas se conhece no interior. É preciso percorrer as ruas para desfrutar dos azuis, amarelos e vermelhos que dão vida às casas e ao espaço.
Não é, todavia, fácil circular dado o constante abalroamento por insistentes e desinteressantes vendedores. Talvez fosse menos desgastante se eu soubesse apreciar tapetes ou pulseiras… Apesar de enriquecedora, a diferença cultural é abismal… Mas foi exactamente esse o mote para a travessia.
Ceuta, mencionada inúmeras vezes nos livros da História de Portugal, à semelhança de Tanger, jaz no norte de África e é parte integrante do território espanhol. Novamente há questões de soberania adormecidas: Marrocos pretende absorver o território mas Espanha não abdica do mesmo… A coroa espanhola defende os seus anéis no norte de África com a mesma convicção que o Reino Unido protege Gibraltar.
A cidade é facilmente confundida com qualquer outra pequena cidade espanhola sendo a principal diferença visível na vasta comunidade muçulmana instalada. Caminhou-se nas comercias ruas fazendo pequenas paragens na Plaza de Africa, Plaza de la Constitucion, Plaza de España e Plaza de los Reys. Entrou-se nas Murallas Reales, cuja parte mais antiga é obra portuguesa, antes de se regressar ao continente europeu.
Até Gibraltar, navegando por terras da Andaluzia, são quase 700 quilómetros a que se soma o regresso e todas as outras movimentações acessórias. Queimaram-se, no total, mais de 1.600 quilómetros e várias horas a rasgar alcatrão… Por fim Lisboa. Enfim casa. De Espanha nem os ventos.
Paulo Vyve