A norte, a caminho do Ártico, distante da Europa e ainda antes das Américas, brotou do útero do planeta a Islândia. O país instalou-se numa vasta ilha esculpida simultaneamente pelo calor dos vulcões e pelo frio dos glaciares. É uma terra que consagra as virtudes da natureza e que convida à longa contemplação das forças dos elementos.
À chegada buscou-se um carro com uma ideia simples: navegar mantendo sempre o mar a bombordo! Se as técnicas de condução lusas eram uma ameaça à integridade do pequeno Hyundai i20 os maiores obstáculos residiam no próprio terreno. A principal estrada, sabiamente designada por “1”, forma um anel, normalmente próximo da costa, que circunda a ilha. São duas vias, uma em cada sentido, que se encolhem numa única nas pontes que se sucedem.
A qualidade das estradas, e o termo “estrada” peca por excesso, recupera e consagra o sonho infantil de participar num rali. Além do clássico alcatrão, para principiantes, acelerou-se em gravilha, terra batida e misturas de materiais apenas diferenciados pela dimensão das pedras que se projectavam. O sinal vertical “Malbik Endar” assegura animação no piso e sugere moderação na velocidade que por lei nunca pode exceder os 90 km/h. As condições meteorológicas também colaboraram na diversão: sol, vento forte, chuva, neve, nevoeiro…
Ainda no âmbito do tema rodoviário importa louvar as estações de serviço que no meio da ausência de vida e de opções matam a sede petrolífera do carro, confortam o mais íntimo desejo de fast food, e permitem rechear a despensa com bens essenciais.
O fiorde Hvalfjörður, o primeiro da experiência islandesa, tocou-se a caminho de Borgarnes onde foi possível avistar uma dúzia de pessoas aparentemente sociáveis. E num restaurante modesto uma família filipina assegurava jantares. Esperou-se pela noite que não caiu… As horas avançavam ao ritmo dos ponteiros sem que o sol, ao longe, tocasse no horizonte. Assim se adormeceu e acordou. Não foi o idílico sol da meia-noite mas foi uma noite clara como o fim de uma tarde de verão numa esplanada à beira Tejo.
De manhã iniciou-se a viagem pela península Snæfellsnes parando-se na Gerðuberg, uma parede de colunas de basalto, de onde se vislumbrou a cratera Eldborg. Contornou-se toda a península, conhecida pelo glaciar Snæfellsjökull, com escalas em Arnarstapi, Ólafsvík e Stykkishólmur e seguiu-se para Búðardalur e Reykholt que na sua pequenez pouco ofereceram à visão. Trepou-se ainda a modesta cratera Grábrók, parou-se nas cascatas Hraunfossar e caminhou-se até à sua irmã Barnafoss.
Impressionantes são as fontes naturais de água quente de Deildartunguhver que borbulham no chão a ferver. O volume do fenómeno permite canalizar a água durante 74 quilómetros para satisfazer as necessidades das cidades de Borgarnes e Akranes. Os banhos quentes são gratuitamente demorados porque a água não consumida escorre directamente para o mar.
Rumou-se, no dia seguinte, para norte e contornaram-se duas penínsulas com paragens em Hvammstangi, Blönduós, Siglufjörður e Dalvík. Fora da estrada principal, no fiorde Húnafjörður, encontraram-se, numa praia deserta, as focas que se procuraram durante dezenas de quilómetros. Cruzaram-se os olhos que viam e que simultaneamente eram observados. Os animais aproximam-se com a mesma curiosidade de quem conduziu para os encontrar… É um confronto de mundos que por minutos caminha em paralelo.
Akureyri, apesar da sua dimensão reduzida, é uma referência incontornável a norte. Tem uma estrutura urbana, vida que passeia ao ar livre, comércio e serviços. É o primeiro local depois de muitos quilómetros de pequenas povoações e a última referência citadina antes da cruzada pela costa mais oriental.
O grandioso lago Mývatn, que surgiu depois da imponente cascata Goðafoss, rodeia-se de inúmeras atracções. São as Skútustaðagígar, “pseudocrateras” que se elevam na sua margem, as construções vulcânicas de Dimmuborgir e a majestosa cratera Hverfjall que no seu topo reduz o homem a uma dimensão primitivamente pequena. A cratera, adormecida desde que o homem tem memória, não aparenta ser mais do que um monte escuro porém o seu vigor permanece intacto.
Caminhou-se de seguida para Námafjall onde o chão, na forma de pequenos pântanos se quer evaporar. Sente-se o cheiro das entranhas da terra enquanto a lama em ebulição pinta uma paisagem ocre. É mais um local onde o interior do planeta se exterioriza aos olhos humanos.
Escondida no fundo de um percurso rudimentar com mais de 20 quilómetros está a cascata Dettifoss que é de todas a mais nobre. A força da água ruge prolongadamente e ensurdece com a proximidade. A grandeza da cascata é impossível de exibir numa fotografia ou num vídeo… É ver para crer. É um local imperdível também pelo deserto rochoso que o cerca, pela cascata Selfoss mais pequena a montante, e pelo branco da neve nas alturas do horizonte…
Se as estradas permitissem a travessia da ilha pelo seu interior não se teriam serpenteado os fiordes mais orientais que nada cativaram. Mas há um trajecto entre Egilsstaðir e Seyðisfjörður que perdurará na memória. Subiu-se a montanha Fjarðarheiði e entrou-se num ambiente branco que misturava densamente as nuvens com o nevoeiro. A visibilidade praticamente nula e a inclinação do percurso a rondar 10% não seriam preocupantes se não nevasse intensamente e se a estrada, sempre apertada, não terminasse lateralmente num abismo sem protecção. É de estranhar que tudo tenha corrido bem! E sem mais incidentes, continuou-se calmamente até Breiðdalsvik e já a sul, parou-se em Höfn com vista privilegiada para o glaciar Vatnajökull, o maior fora dos pólos.
Um dos postais mais vistos do país, a lagoa Jökulsárlón, nasce onde o glaciar se parte e derrete calmamente. Do outro lado está o mar que, conforme a maré, entra ou sai, puxando ou empurrando os icebergues. A mistura da água doce com a salgada pinta o gelo com um azul quase turquesa que se destaca do branco brilhante. A paisagem é absolutamente magnífica. Há patos que passeiam, pequenos pássaros que pousam no gelo e focas a nadar. Despende-se tempo com agrado porque a visão não se cansa e a novidade renasce em cada perspectiva.
Não se pode, no entanto, ficar parado e continuou-se até Skaftafell para uma breve caminhada no parque nacional onde se espreitou a cascata Svartifoss. A noite passou-se em Hvoll que, assinalada por uma pequena placa, se alcança após um caminho rochoso. Não é uma vila, nem uma aldeia, são três casas singelas onde uma serve de pousada.
Depois de Vík í Mýrdal, e de se procurar em vão os famosos Papagaios do Mar, localmente chamados de Lundis, iniciou-se a viagem até à capital com paragens interessantes nos glaciares Svínafellsjökull e Sólheimajökull, nas cascatas Skógafoss e Seljalandsfoss e nas componentes do Golden Circle: o Geysir, a cascata Gullfoss e o parque nacional Þingvellir.
Reiquejavique, a grande cidade, o ponto de encontro entre humanos na Islândia, surgiu depois de contornados os quatro quadrantes da ilha. A capital é no contexto do país uma grande metrópole. O espaço é dominado pela obra humana e não há seduções naturais de destaque. Há ruas onde as pessoas se passeiam, há bares que afogam a sede nas altas horas, há espaços requintados, há grafites jovens nas paredes. Sente-se um movimento turístico de fim-de-semana que procura a animação nocturna que não falta.
Facilmente se percorre a cidade a pé sem grande cansaço para o corpo. Deambulou-se do porto antigo ao moderno edifício Perlan, das comercias avenidas Laugavegur, Bankastræti e Skólavörðustígur até ao passeio à beira-mar Sæbraut, e da praça Austurvöllur até ao lago Tjörnin. Houve ainda tempo para explorar o minúsculo museu de fotografia da cidade.
Para o fim reservou-se uma divina visita à Bláa Lónið, internacionalmente conhecida como Blue Lagoon. O azul-bebé da água, inserida numa paisagem vulcânica, é deslumbrante e com os seus 40 ºC aquece os corpos que submergem com receio do frio atmosférico. É um local cosmopolita onde se mima quem procura uma pausa relaxante.
Apesar da explosão de um vulcão, de seu nome Grímsvötn, o regresso a Lisboa não sofreu nenhum atraso. Quando o espaço aéreo foi fechado Reiquejavique estava já a um par de horas no passado. Não foi apenas sorte, foi um veemente desejo de pisar a Europa Continental e de passear numa cidade que se trata por tu.
Paulo Vyve