Aterrar em Bucareste a meio da noite evitou um encontro com o famoso trânsito caótico. A noite escura escondeu também as fachadas dos edifícios que não pintam a cidade. As avenidas largas definem o caminho e no topo de Piata Unirii brilham as coloridas luzes da publicidade. A primeira imagem de Bucareste conforta e dilui o preconceito ocidentalmente alimentado.
A luz do dia iluminou o gigante Palatul Parlamentului, o Palácio do Parlamento, anteriormente designado por Casa do Povo. O edifício que clama ser o segundo maior do mundo esbanja uma área de 350.000 m2 forrada a mármore, madeira, carpetes e cristais. O luxo, que está directamente relacionado com o regime derrubado em 1989, não é acarinhado pela população que lamenta os recursos financeiros e a mão de obra dos prisioneiros políticos utilizada. Este palácio seria um ícone da cidade se ela não o encarasse como um corpo estranho.
Na sexta-feira deixou-se a cidade em direcção à lendária e literalmente tenebrosa Transilvânia. Igualmente famosos são os Cárpatos, a cordilheira de montanhas que atravessa vários países em forma de arco durante cerca de 1.500 quilómetros.
A primeira paragem ocorreu no museu e distinto Castelo de Bran, residência atribuída ao cruel mas justo Vlad Tepes, vulgarmente designado por Dracula. O castelo é simples na sua pequenez e, se ignorarmos a sua reputada fama, não possuiu nenhum especial encanto.
A poucos quilómetros, no cimo de uma colina, ergue-se a cidadela de Râsnov. A fortaleza do século XIII está isolada mas permite uma boa vista sobre as montanhas envolventes. O caminho continuou até Busteni onde se passou a noite que foi temperada pela televisão romena com o sugestivo filme “Dracula” de Francis Ford Coppola.
O segundo dia foi dedicado aos Cárpatos que se dividem em diversas montanhas. Em Sinaia subiram-se as Montanhas de Bucegi até aos 1400 metros de carro e depois de teleférico até ao topo situado a 2000 metros. À medida que o carro ganhava metros à montanha o frio assumia-se imponente, a chuva exibia-se e o nevoeiro reduzia a visão a escassos metros.
A surpresa surgiu pelos 1800 metros de altura quando a nuvem de nevoeiro e de chuva ficou subitamente por baixo dos pés. Com um céu limpo despiram-se as camisolas mais grossas e as duras rochas substituiram a areia da praia. O sol banhou e aqueceu o corpo cujos olhos estavam profundamente maravilhados com a paisagem. Os cumes das montanhas nasciam no horizonte rodeados por uma imaculada nuvem branca que escondia tudo o que a humanidade construiu por baixo. O pálido nevoeiro forrava o solo da montanha que era simultaneamente o tecto do mundo para quem não subiu tão alto. Era um mar desértico branco a pairar no ar. Eram ondas espessas de algodão conjugando diferentes mundos que a percepção dos homens não une.
Num curto espaço a mutação atingiu inclusive o humor das pessoas. Como se ambos os locais possuíssem diferentes estados de espírito… A natureza não está ao alcance da mais hábil e engenhosa mão humana. A surpresa é uma constante neste vasto mundo! Apetece beber com os olhos a paisagem que nutre a alma com sorrisos silenciosos. A descida foi acompanhada por uma imediata nostalgia. O regresso do mundo encantado!
Ainda em Sinaia aproveitou-se para a visitar o Castelo de Pelisor vizinho do tão aclamando Castelo de Peles, que se encontrava encerrado para manutenção. Em ambos os casos estamos perante palácios luxuosos que não coincidem com o conceito luso de castelo ou fortaleza intimamente relacionado com a defesa e a guerra.
No último dia na Transilvânia a manhã foi dedicada à cidade de Braşov que é rodeada por montanhas. Percorreu-se calmamente a Piata Sfatului, a praça central, seguiu-se para a Biserica Neagra, a Igreja Negra. Caminhou-se pela Strada Sforii, auto-proclamada uma das mais estreitas estradas da Europa, com apelas 1,3 metros de largura e 83 de comprimento…
De carro, continuou-se a viagem em direcção às Montanhas de Făgăraş. A viagem pelo interior da Floresta Carpatiana aproxima-nos de animais como vacas, cavalos, raposas, que dispõem das estradas com a descontracção que falta à vida citadina. Algumas árvores preservavam o verde da primavera mas a maioria está despida. As folhas encontram-se no chão e pincelam a paisagem com vermelhos outonais que apenas por semelhança recordam os clássicos castanhos secos. As montanhas interligam-se entre si, abraçam-se, cercam as estradas e apenas no céu se descansam os olhos.
A meio da subida há uma queda de água escondida no horizonte. É impossível resistir à tentação de atingir o cume especialmente quando as nuvens estão quase ao alcance das mãos. No topo, junto ao Bâlea Lac, o lago que baptiza o local, vislumbramos as nuvens estendidas como confortáveis mantas almofadadas. Novamente esboçam uma consistente fronteira entre dois mundos onde o melhor está mais alto, mais próximo do divino, mais frio com a pouca neve que se vê.
O local apenas foi abandonado quando a noite anunciou que não tardaria. Mergulhou-se no interior da montanha rumo a Pitesti e as nuvens passaram novamente para cima das nossas cabeças. A noite nos Cárpatos é escura, muito escura, só a Lua brilha atrás das montanhas. Reinam sombras compactas e indistinguíveis na noite. São sombras silenciosas sem luz, são sombras negras como se o Sol nunca ali tivesse chegado.
No regresso a Bucareste optou-se por caminhar na cidade. Percorreu-se a Calea Victoriei, a Piata Revolutiei, com o Memorialul Renasterii às cerca de 1500 vidas perdidas na Revolução de 1989, a Piata Universitatii, a B-dul Unirii, o Parcul Cismigiu, a Sos. Kiseleff, o Parcul Herãstrãu e o caótico bairro de Lipscani destruído pelas obras de recuperação e de pesquisa arqueológica. Procurou-se ainda o Ateneul Roman, o Arcul de Triumf, a Casa Presei Libere e o Muzeul National Al Satului “Dimitrie Gusti” dedicado às casas típicas de toda a Roménia.
As clássicas recordações ficaram desta vez por comprar. A bagagem pouco pesou no porão do avião porém o enriquecimento pessoal, proporcionado pelo contacto com mais uma dimensão deste misterioso Mundo, não será esquecido. Nunca se apreenderá tudo, importa somente conhecer um pouco mais… Lisboa é tão afortunada como as pessoas que a povoam e lhe dão vida durante todas as horas do dia.
Paulo Vyve