Apeteceu-me vaguear longe de casa! Assumi que queria passear, simplesmente ir, disparar o obturador, demorar-me onde calhasse e regressar (o regresso faz sempre parte da viagem). Foquei-me na Irlanda já antes secundarizada por outras escolhas. Suportei-me nas abençoadas previsões meteorológicas e nos interessantes preços da época baixa… Nunca paguei o aluguer de um carro tão barato!
De Dublin, onde aterrei, conduzi “à inglesa” até Galway. A habituação ao volante do lado direito não é demorada mas o carro “escorrega” inevitavelmente para a lado mais sensato da estrada (o direito)!
A primeira impressão de Galway contaminou-se por um pormenor que negligenciei antes da partida: os dias são curtos. As horas de sol escasseiam e cedo o dia se transformou em noite. Encontrei a cidade escura, sem pessoas e com poucos estabelecimentos abertos. Algumas almas exibiam-se pelo mercado de natal na Eyre Square apesar da época natalícia ainda não ter chegado.
Regressei de manhã para não gravar aquela imagem na memória. As ruas estavam finalmente poluídas com trânsito, as pessoas tomavam o pequeno-almoço apressadas e as lojas começavam lentamente a despertar. Faltou sal na cidade estudantil anunciada pelo guia digital. Não demorei a sentar-me no carro e apontar para os Cliffs of Moher que optei por visitar em alternativa à zona de Connemara a norte. Na viagem, atravessei The Burren, uma área rochosa, e passei por Doolin, onde não encontrei uma bebida quente.
Os Cliffs of Moher mereceram a visita. Os penhascos são, especialmente pela sua extensão, belos. As varandas para o mar não cansam e prolongam a caminhada. Mas a beleza natural não tem acesso livre: é bem paga. Não é possível parar o carro fora dos parques vedados (como honrado português obviamente tentei) e a entrada no estacionamento inclui o bilhete de acesso à área. É um roubo mas a simpatia sexagenária do atendimento desincentiva o protesto… É assim, assim seja… Talvez com mais uns cobres construam um passadiço para evitar a lama.
Aproveitei a luz natural, enquanto existiu, e demorei-me. Iniciei o trajecto até à Irlanda do Norte apenas com paragem para jantar, abastecer e comprar um balde de café aguado que me acompanhou à pendura. Após uma noite rejuvenescedora, em Belfast, rumei a norte com destino à Giant’s Causeway que é maravilhosa. Repetiu-se o estratagema do estacionamento ganancioso mas desta vez beneficiei de uma visita guiada razoavelmente interessante.
Demorei horas, não sei quantas, a saltitar entre as colunas de rochas, umas quase hexagonais outras nem tanto, sem reparar no frio. A paisagem é matematicamente fabulosa e a sua entrada no mar fez-me desejar mergulhar nas profundezas. A justificação científica para o fenómeno (que se repete pelo mundo) é complexa mas o resultado final é simples e deslumbrante. Existem lendas que simplificam a explicação e que denunciam uma rivalidade milenar com os escoceses.
Ainda na costa norte tentei visitar a Carrick-a-Rede Rope Bridge e segui para Cushendun onde cheguei já sem sol. Regressei a Belfast e jantei pelo centro escuro.
A deambulação por Belfast, no dia seguinte, foi assombrada pela ameaça de chuva que nunca se materializou além de uns chuviscos. Depois da zona central, com mais um mercado natalício na Donegall Square, passei pelo subdesenvolvido George’s Market que se intitula “UK Best Large Indoor Market”. Não há motivos que justifiquem eufemismos: parecia uma feira da década de 50 (do século passado) de uma cidade periférica.
A oferta turística de Belfast não é vasta e rapidamente se salta da Victoria Street para o Albert Clock Memorial. Aborrecem os repetitivos convites para o Titanic Tour que naturalmente não me seduziram apesar do sugestivo slogan: “built by the irish, sunk by the english”.
O fascinante da cidade encontra-se nos bairros que durante anos abriram noticiários. A rivalidade entre católicos e protestantes é muito mais do que uma questão religiosa. A divergência principal reside nas bandeiras içadas entre os que defendem a permanência no Reino Unido e os independentistas que se sentem mais irlandeses.
Há um muro imensamente alto, a Peace Line, que permanece erguida mas cujos portões estão agora abertos entre as duas comunidades. De um lado, ao longo da Falls Road, os católicos semeiam homenagens às vitimas da luta pela independência. Do outro, na Shankill Road, as fachadas dos edifícios pintam-se com as cores da Union Jack e com imagens da rainha inglesa. De ambos os lados existem extremismos e como sempre a virtude estará no meio termo. As vizinhas avenidas, quase paralelas, são incomparáveis e valem uma ida a Belfast.
Terminei a estadia na cidade com uma tentativa de visita ao Belfast Castle. Nem era um castelo, nem estava no topo de uma colina, nem estava aberto… Abasteci e apontei as agulhas do GPS para Tallaght, nos arredores de Dublin, onde pernoitei.
Vagueei por Dublin ao amanhecer. Comecei com uma caminhada pelo St. Stephen’s Green (evitei o mercado de natal), segui para a Merrion Square, passei pela National Gallery e pelo Trinity College e misturei-me com a multidão nas avenidas O’Connel Street e Henry Street. Finalmente encontrei gente! Subi até ao Garden of Remembrance para depois descer até ao famoso Temple Bar… Percorri a zona envolvente e caminhei para a Guiness Storehouse encontrando pelo caminho o Dublin Castle e a catedral.
Tentei, em vão, visitar a prisão Kilmainham Gaol: entradas esgotadas. Alimentei-me num bar, para acompanhar o pint de Guiness e despedi-me do dia e da viagem a fotografar as cores da ponte Samuel Beckett.
Deslumbrei-me, durante a viagem, com a promoção turística irlandesa que com poucos ovos cozinha imensas omeletes. Não se destacam abundantes pontos de interesse mas as cidades adornam-se com as jóias que possuem e exibem-nas com um orgulho de louvar.
Apesar dos 1.296 quilómetros carburados no Ford Fiesta (quase o dobro do programado) criei a imagem de uma Irlanda pequena, mas orgulhosa da sua identidade (com destaque para o incompreensível idioma gaélico).
Paulo Vyve