O outono não é uma cor. O outono é um turbilhão de verdes envelhecidos que se renovam em infinitos castanhos misturados com incontáveis tons de amarelo. Sonhei com a natureza neste traje de gala e imaginei acrescentar-lhe montanhas com cumes brancos e cursos de água a correrem e sossego.
Com essa ideia rumei ao Tirol austríaco e defini Zurique, na Suíça, como local de aterragem. Antes de atravessar a fronteira parei a norte em Rheinfall para espreitar as cascatas no Rio Reno com 150 metros de largura. Uma vista próxima para as cascatas é paga mas é possível contornar o local e ter uma panorâmica geral da área. O espaço que podia ser mágico é, pelo negócio envolvido, apenas bonito.
Já na Áustria comecei a contabilizar os túneis na estrada. Estas obras de engenharia tornam a zona perfeitamente acessível e espantam pela quantidade e dimensão. Por vezes perguntei-me se existia de facto necessidade de esburacar tanto a terra ou se era um capricho local. O maior desses caprichos é o impressionante Arlberg Straßentunnel e os seus longos 13,9 Km de comprimento.
Fixei-me no fluxo constante de viaturas pesadas para transporte de mercadorias. A autoestrada A12 que atravessa a região estava povoada por uma fila quase ininterrupta de camiões. Há indústria nas bermas numa quantidade que não imaginava e o horizonte é preenchido com torres e cabos eléctricos. Interiorizei que não encontraria o paraíso natural que buscava. Foi necessário abandonar a via principal e percorrer estradas secundárias para fugir desta imagem moldada pelo homem. As povoações tornam-se mais pequenas e o verde ganha espaço na exacta medida em que as montanhas crescem e os cumes se aproximam.
Fui a Kitzbühel para subir de teleférico ao topo da montanha. As pistas de ski ainda não estavam abertas e apenas algumas descidas, artificialmente conservadas, permitiam a alegria de quem não resistiu a equipar-se. Além desses, muitos caminhantes, sem limite de idade, atiravam-se para os trilhos na montanha.
Estes vales podiam estar encantados e por vezes encontram-se pontos mágicos. O vale Zillertal e o vale Zemmtal, que surge no seu seguimento, são excelentes exemplos de vistas deliciosas. Passei por Mayrhofen, Hippach e Ginzling onde nada sugere que Innsbruck, quase ali ao lado, borbulha de gente como qualquer grande cidade. Segui a estrada, subindo o vale, até a encontrar fechada ao trânsito.
Em Innsbruck, a capital do Tirol, subi a colina Bergisel onde o trampolim de saltos de ski com o mesmo nome foi palco dos jogos olímpicos de inverno de 1964 e 1976. Também foi aqui que comi o melhor apfelstrudel da viagem. Enfiei-me depois no centro da cidade. O sol não tardou a adormecer e apressadamente chegou o trânsito na azáfama comum do regresso a casa.
Dediquei umas horas ao agradável centro de Hall in Tirol e em Imst fiz uma caminhada bastante interessante pelo Rosengartenschlucht. O percurso, moderadamente exigente, nas margens de um rio percorre um desfiladeiro esculpido pelo tempo nas rochas e merece um par de horas. Antes de sair da Áustria parei em Landeck, para espreitar o castelo, e em Feldkirch encostada à fronteira com a Suíça e o Liechtenstein.
As comparações entre países serão sempre infelizes mas julgava que encontraria no Liechtenstein algo parecido com o microestado de São Marino. Tinha esboçado um país com um castelo imponente no topo de uma montanha robusta. À montanha não falta imponência mas o castelo (ou palácio) espreita a cidade de Vaduz muito antes do cume. Mesmo assim a vista para o palácio é a maior atracção. Ordenadamente Vaduz é pacata na sua pequenez e tive tempo para entrar no Liechtensteinisches Landesmuseum, o museu nacional, que sem legendas em inglês remedeia com um audioguia gratuito.
Subi a colina até ao castelo a pé e depois de carro até Triesenberg. Do alto, a fronteira com a Suíça está sempre presente e é desenhada pelo Rio Reno. Paralelamente segue uma autoestrada que não deixa esquecer que a atmosfera é mais urbana que natural.
A mais antiga cidade suíça, Chur, não tem na sua zona antiga o encanto de quem amadureceu no envelhecimento. Esta capacidade é essencial para evitar que o antigo se torne velho e abandonado. Talvez nem seja o caso mas a cidade estava pouco cuidada e, mesmo na zona pedonal, o ambiente era pouco amistoso. Encontrei, no entanto, uma mesa para um café que me convidou a entrar. A música, o ambiente tranquilo e as mesas estendidas num pequeno espaço foram o melhor da cidade e às vezes nada mais é preciso.
No percurso para Lucerna fiz breves paragens: em Murg junto ao lago Walensee que estava coberto por uma neblina deliciosa e criava uma idílica vista para a margem norte muito mais montanhosa; em Cham na margem do lago Zugersee.
Lucerna, também colada a um lago com o mesmo nome, tem algumas imagens de marca que se destacam pela sua singularidade. No topo da lista está a Torre D’água com a sua ponte coberta em madeira (cuja conservação não é de certeza uma tarefa fácil). A enorme escultura Löwendenkmal, que representa um leão moribundo em homenagem aos soldados mortos durante a revolução francesa, merece igualmente destaque.
Dei um pulo a Baden, sem ter encontrado motivos para me demorar, e segui para Zurique que obviamente tem um lago ao lado (Zürichsee). Passei um pouco pela cidade cosmopolita e subi à colina (Buechenegg) na busca de uma boa vista. Surpreenderam-me as cores intensas do outono que denunciariam uma foto demasiado saturada. Desci para a margem do lago e parei em Halbinsel Au. A convivência da sedutora envolvente natural de Zurique com o seu centro urbano é curiosa.
Um pouco mais a norte visitei a pequena cidade de Winterthur e os museus Fotozentrum e Fotostiftung Schweiz. Tive ainda tempo para cruzar a fronteira e entrar na alemã cidade de Constança. Banhada por um lago (Bodensee), que separa os países, é nas suas margens que melhor se ocupa o tempo.
Foi uma viagem longa onde pouco parei para descansar (em bom rigor foram apenas 1.683 Km num Smart Forfour). Passei menos tempo no Tirol do que imaginava (surpreendido pelo nível de industrialização) e dediquei mais tempo a terras urbanas para curiosamente continuar a surpreender-me pelas pinceladas outonais das paisagens.
Mais do que tudo foi esta força da natureza que me seduziu. O anual ciclo de vida das árvores é um milagre.
Paulo Vyve