Não é preciso caminhar muito para que os sentidos validem que “tudo está bem no Reino da Dinamarca”. Não sei em que contexto surgiu a constatação mas permanece absolutamente actual. As ruas são calmas sem confusão… Não vi um único polícia e também não senti a sua necessidade.
A publicitada zona de Christiania resume-se a um quarteirão rebelde de Copenhaga. A auto-suficiência é uma utopia que os próprios visionários da autónoma comunidade terão dificuldade em descrever. Há um ambiente livre, com um travo a provocação, que as autoridades, aparentemente com prazo politicamente já definido, toleram. Há compra e venda de drogas e três regras basilares: “Have fun. Don’t run. No photos”.
O Nationalmuseet, dedicado à história dinamarquesa, exibe uma imensidão de objectos repetidos que não impressionam. Do Ny Carlsberg Glyptotek, mais cativante, destaco a colecção de escultura. O Botanisk Have é um espaço que permanece em obras há demasiado tempo e que, pelo andar dos trabalhos, assim deve continuar. O Statens Museum for Kunst acomoda-se em dois edifícios interligados e alberga uma colecção que merece ser visitada. O Visit Carlsberg é um pretexto para beber uma, ou melhor duas, cervejas num local histórico para a marca.
A famosa sereia, Den Lille Havfrue, fica a passos largos do centro da cidade mas o caminho é agradável. Do Nyhavn contornei a sala de espetáculos Skuespilhuset, espreitei a Operaen na outra margem, entrei no Kastellet e por fim alcancei a pequena estátua envolta numa nuvem de pessoas.
Depois de palmilhadas as zonas mais turísticas, como a Strøget ou o recatado Kongens Have, saí da cidade atravessando de comboio as terras da Zealand até ao modesto Museu de Arte Moderna Louisiana em Humlebæk.
Mais a norte a mítica cidade de Helsingør que se para uns é uma referência a Shakespeare para outros, mais lusos, invoca Cesariny. “You are welcome to Elsinore” é o título do poema que divaga sobre o metal fundente das palavras. O movimento surrealista faz todo o sentido quando o castelo fecha as portas aos visitantes às 16 horas… Irreal.
A cerca de 30 quilómetros de Copenhaga, do outro lado do estreito de Øresund, está Malmö, a terceira cidade sueca que durante décadas viveu na sombra da sua vizinha capital europeia. É simpático defender que hoje a cidade se afirma individualmente com mérito próprio mas repeti-lo seria publicidade enganosa…
Poucas atracções convidam os turistas mas a ténue linha de fronteira é irresistível e demanda ser atravessada. Em poucas horas deambulei nas praças Stortorget, que aloja a Câmara Municipal, Lilla Torg e Gustav Adolfs Torg. Passeei no Kungsparken e caminhei até ao Turning Torso.
A viagem para a Noruega, com partida de Copenhaga, merece ser reportada: aterrei em Oslo sem nunca ter mostrado um documento de identificação! O check in foi automático, a entrega da bagagem exigiu apenas o boarding pass, a revista de segurança nada validou, e na entrada para o avião bastou novamente o boarding pass. No entanto, a pacatez de Copenhaga não se repetiu em Oslo. As sirenes da polícia não demoraram a acelerar pelas ruas.
No dia nacional, Nasjonaldagen, celebrado a 17 de Maio penduram-se as roupas do dia-a-dia para que se exibam os trajes típicos. E como a tradição teima com gosto em conservar-se as ruas enchem-se de pequenos e graúdos bem dispostos.
Há uma curiosa convivência com a comunidade imigrante que seduzida pelo elevado nível de vida norueguês tenta instalar-se. O bairro de Tøyen é uma inesperada mescla de culturas e acolhe uma população colorida por diferentes credos e raças. Há ruas sujas e há pessoas que trabalham mendigando de esquina em esquina.
A Karl Johans Gate, que nasce na estação central e desagua no Slottsparken, é uma avenida pedonal que não cativa como o badalado edifício Operaen que se envolve com os visitantes de forma invulgar. Não é comum um terraço captar tantos visitantes quando a subida é íngreme e potencialmente escorregadia. As pessoas sentam-se livremente. E olham o Oslofjord. E apetece, mesmo antes de sair, voltar.
Espreitei a Oslo Rådhus, onde o Prémio Nobel da Paz é entregue, e visitei o cativante Nobel Peace Center e o pobre Munch Museet. Percorri a Hegdehaugsveien e a Bogstadveien até ao relaxante Frognerparken que acolhe o Vigelandsanlegget, o parque de esculturas de Gustav Vigeland. Houve ainda oportunidade para divagar em Aker Brygge e subir ao forte Akershus Festning.
Para compensar a falta de controlo fronteiriço norueguês, ao aterrar em terras de Sua Majestade fui convidado para dois dedos de conversa na alfândega. Seguiu-se uma viagem de metro animada por efusivos adeptos do Chelsea Football Club que regados com álcool festejavam uma inaudita conquista.
A cidade de Londres é imensa e tem uma oferta tão vasta que em todos os dias entretive-me alegremente. Visitei exposições de fotografia na Somerset House e na Saatchi Gallery. Aborreci-me na The National Gallery e no The British Museum… Divaguei pelos St James’s Park, Hyde Park, The Green Park e The Regent’s Park, onde o sol que se sentia deitava os locais na relva.
Passeei pela área de Bank rumei à Tower of London, cruzei a Tower Bridge, sentei-me junto à City Hall, e segui pela margem norte o Thames até ao Big Ben em Westminster. Pelo caminho espreitei o The Monument, a St Pauls Cathedral e a Trafalgar Square. Novamente no South Bank contemplei o London Eye e os Jubilee Gardens.
Mais a norte, caminhei pela Whitehall, contemplei a luminosa Piccadilly Circus, subi a Regent Street, divaguei na catita Carnaby Street, que integra o bairro de Soho, e ainda percorri a esbelta e overcrowded Oxford Street. A movimentada zona de Convent Garden mereceu várias visitas. A alternativa Camden Town peca por ser exageradamente comercial.
Houve prazer em pequenos luxos: um afternoon tea no St James’s Park, um cheirinho a Shakespeare com sotaque brasileiro na Roundhouse…
Uma animada viagem pelo rio permitiu espreitar simultaneamente ambas as margens e atracar em Greenwich. A terra, famosa por baptizar uma linha imaginária que liga o Pólo Norte ao Pólo Sul, deve o seu carisma ao Royal Observatory Greenwich que consegue unir num raciocínio linear relógios, barcos e astros. A ciência é simples.
Depois de pisados quatro reinos consegui, sem a colaboração dos grevistas controladores aéreos portugueses, aterrar em Lisboa. O corpo esgotado poeticamente reencontrou a cama dos dias comuns e declamou “há palavras imensas, que esperam por nós / e outras, frágeis, que deixaram de esperar”.
Paulo Vyve