Aproveitando os curtos dias de luxúria que esporadicamente o vil trabalho proporciona orquestrou-se uma fuga aleatória que culminou na francófona Genebra. Localizada à beira do Lac Léman, num vale entre os Alpes e as Montanhas Jura, a cidade afirma ser a Capital da Paz. As diversas Organizações ai sediadas cultivam causas tão nobres como o Humanismo, a Paz, a Diplomacia, os Direitos Humanos, a Liberdade… Historicamente a cidade está associada a estas utopias.
Genebra, que aparentemente é a segunda maior cidade da Suíça, é acolhedora à chegada. Mas nem tudo é fabuloso… A simpatia não é contínua e a língua francesa é descaradamente infligida às conversações iniciadas em inglês. Se a minha compreensão em francês é razoável a capacidade de expressão é arcaica… Felizmente um terço da população é estrangeira e muitos possuem raízes portuguesas! Por vezes, uma conversa inicialmente esgrimida entre línguas bárbaras termina num cordial “obrigado”… Em bom português para que nos entendamos.
O Rio Rhône que se infiltra na cidade após abandonar o lago é atravessado por diversas pontes e povoado por pequenas ilhas. A ilha do Bâtiment des Forces Motrices é totalmente ocupada por um teatro. Ainda no meio do rio, pela Promenade dês Lavandières chega-se à pequena ilha L’Ile onde se ergue a Tour de L’Ile, uma torre reconstruída em memória à fortificação ai existente no passado.
À entrada da zona mais antiga da cidade, antes da Rue de la Cite, projecta-se ao fundo o Jet d’Eau que continuará sistematicamente visível no horizonte… Caminhou-se até à Eglise Saint Germain e daí até à Promenade de la Treille, um miradouro com vista para o Parc des Bastions com as Montanhas Jura e os Alpes no horizonte.
Pela Place de Neuve entrou-se no Parc des Bastions para alcançar o Monument International de la Réformation, uma homenagem à reforma protestante e a Jean Cauvin (vulgarmente designado em português por “João Calvino”) cujo movimento “Calvinismo” se centrou em Genebra.
Rumou-se à Cathédrale Saint Pierre, com passagem no Hôtel de Ville, e subiram-se os degraus até ao topo das suas torres de onde se vislumbra o lago que se aconchega nas margens da cidade que o abraça.
O Jet d’Eau torna-se pequeno e as montanhas que cercam a cidade espelham o isolamento que a cidade e a Suíça defendem com a sua imparcialidade. Continuou-se para o Terrasse Agrippa-D’Aubigné, seguiu-se para a Place du Bourg de Four e passeou-se em vários pequenos jardins: Promenade du Pin, Promenade Saint Antoine, Promenade de l’Observatoire e Jardin Anglais com o seu famoso Horloge Fleurie, um relógio desenhado com flores. Na margem norte da cidade caminhou-se no Quai du Mont-Blanc, no Quai Wilson e nos parques contíguos Parc Mon-Repos, Parc Moynier e La Perle du Lac. O Jet d’Eau esbanja força projectando a água a 140 metros de altura. No estreito pontão que conduz ao jacto inúmeras pessoas aproveitam a hora de almoço para descansar e gozar algum sol. Na água os patos navegam ligeiros assegurando que nada de extraordinário justifica preocupações… Mas nem tudo é idílico! O símbolo da cidade rege-se por horários, condições meteorológicas e mecânicas pelo que nem sempre é possível admirar o seu vigor!
Entrou-se no Palais des Nations que aloja actualmente a sede europeia das Nações Unidas. Uma visita ao edifício em hora laboral deixa perceber que a segurança é levada a sério mas também permite especular sobre a dedicação ao trabalho… Não ousando eu questionar a utilidade desta instituição que aproxima 192 nações, que me parece evidente, não posso deixar de elogiar aqueles que efectivamente trabalham arduamente em tão cómodas instalações. Do outro lado da estrada visitou-se o Musee International de la Croix-Rouge et du Croissant-Rouge, onde se exibe a história da Cruz Vermelha que é a primeira organização humanitária do mundo com origem em 1862. O empenho e a dedicação de todos os voluntários merece, naturalmente, especial reconhecimento.
Na ânsia de visitar o Parc Olympique que inclui a sede do Comité Olímpico Internacional e o Musée Olympique tomou-se o rumo da cidade de Lausanne que é igualmente banhada pelo Lac Léman.
Os Jogos Olímpicos são um sonho para qualquer atleta digno desse nome. Contemplar as tochas, as medalhas e reviver toda a história associada ao evento é por si só uma alegria. Recordam-se sonhos antigos e momentos velozes que serão sempre eternos.
Lausanne equilibra-se numa encosta íngreme onde previsivelmente as ruas demoram mais a subir que a descer. A cidade precipita-se para o lago com uma voracidade que só a custo as pernas vencem. O declive é acentuado e contínuo.
Subiu-se para a parte antiga da cidade e encontrou-se a Eglise Saint-François na praça com o mesmo nome. Vagueou-se nas ruas onde comerciantes com bancas montadas vendiam legumes e jovens angariavam dinheiro para viagens de finalistas. Trepou-se mais até à Catedral, descansou-se no miradouro e seguiu-se até ao Château Saint-Maire. A consequente descida atravessou a Place de la Riponne, onde a universidade se alojada no Palais de Rumine, e cruzou-se novamente a Place de la Palud junto ao Hôtel de Ville. Atravessaram-se os pequenos jardins Promenade Derrière-Bourg, Promenade Jean Villard-Gilles e Promenade de la Ficelle a caminho do Château d’Ouchy junto ao lago. A zona é bastante aprazível e as pessoas passeiam, patinam, pedalam e demoram-se aproveitando o relevo plano que escasseia no resto da cidade.
Entrou-se no comboio e aproveitou-se para ir um pouco mais longe até Veytaux-Chillon na outra extremidade do lago. A meia dúzia de passos está o Château de Chillon que se publicita como o monumento mais visitado do país. A primeira impressão é agradável: um castelo estimado, dentro de água, rodeado por árvores na margem e com vista privilegiada para os Alpes… O interior do castelo é modesto como todos os espaços onde as paredes estão despidas ou modernamente restauradas… Restam os passadiços entre as muralhas e as torres para melhor espreitar as redondezas e os pátios interiores.
Com os Alpes no horizonte, tornou-se irresistível atravessar a fronteira e pisar terras francesas na direcção de Chamonix-Mont-Blanc. A cidade, comummente designada apenas por Chamonix, situa-se num vale profundo com o mesmo nome. As montanhas roçam o tecto azul do céu e, apesar do rigoroso inverno pertencer ao passado, os cumes continuam cobertos por véus de veludo branco. É assim todo o ano.
A cidade é pacata e as ruas são essencialmente povoadas por turistas que se dedicam em parte a passear o equipamento de esqui. A moda é fatal e mesmo que a tarde seja passada numa esplanada a namorar os raios de sol é fundamental estar absolutamente preparado. Na cidade as avalanches não se registam mas em qualquer parte do Mundo homem prevenido valerá sempre por dois.
A cereja no topo da Europa fica no Monte Branco a cerca de 4.807 metros de altura. Para o visitante não alpinista a tentação é saciada com recurso ao teleférico que em aproximadamente 15 minutos sobe 2.807 metros até aos 3.842 metros do cume Aiguille du Midi. Na varanda com vista privilegiada para o grandioso topo as nuvens já não estavam por cima da cabeça e a temperatura desceu drasticamente até aos -19ºC… O vento grita e fere a pele como se lâminas afiadas acariciassem a cara. O corpo parece cansar-se e inspira-se fundo o frio para com os olhos beber aquilo que de belo a natureza soube criar. Há lugares onde a altura da natureza nos reduz à nossa carnal dimensão… Os problemas mundanos não voam tão alto.
Foram horas em que se correu contra o tempo… Em poucos dias visitaram-se espaços que sem dúvida mereciam maior dedicação. Muito ficou por ver mas essa fatalidade é recorrente e previsivelmente eterna. Em Lisboa corre-se um pouco mais mas há lugar cativo para o descanso dos guerreiros… Na pacatez dos lugares comuns decalcam-se entre as sete colinas o melhor das experiências vividas… Quase em simultâneo e em surdina ousam-se novos trilhos dourados.
Paulo Vyve