Aterrar no Flughafen Berlin-Schönefeld a 31 de Dezembro não é uma mera excentricidade, é a euforia de acreditar que a vida é um momento e que o ano novo não é o futuro, é o presente unido ao instante que foi 2008. É dançar no fuso horário e entrar uma hora mais cedo em 2009… É sobretudo crer que a vida se moverá ao ritmo do corpo e que nunca deixará de existir chão por pisar.
A meia-noite foi passada na larga avenida Strasse des 17. Juni entre a Bradenburger Tor e a Siegessäule, a Coluna Triunfal. Dizem que os 2 quilómetros aconchegam 1.000.000 de pessoas, 500 jornalistas e 350 canais de televisão… Com tanta confusão deambulou-se sem consciência da irrelevante dimensão. O fogo de artifício, característico do momento, foi modesto mas a multidão exibe uma ancestral arte no manuseamento de explosivos. São foguetes a rasgarem a noite e bombas a rebentarem na escuridão! A ocasião é propensa a excessos mas no fim tudo parece estar bem.
A luz da manhã revelou um tapete branco que ao cair do céu estalava debaixo da sola das botas. Depois de atravessada a avenida Kurfürstendamm, repleta de lojas com marcas brilhantes e sonantes, parou-se na Breitscheidplatz onde no centro contrastam as duas torres da igreja Kaiser-Wilhelm-Gedächtnis-Kirche. A igreja original foi praticamente destruída num bombardeamento em 1943 e em redor das ruínas nasceu, em 1963, o novo complexo.
Seguiu-se para a Bradenburger Tor provavelmente o maior símbolo da união alemã. Ao vivo não é tão majestosa como as fotografias prometem mas é extraordinariamente relevante na história da Europa. A Porta de Bradenburgo reflectiu a divisão de Berlim e foi um elemento mais que decorativo no cenário da guerra-fria.
A poucos quarteirões de distância, na Alexanderplatz, espreita a Fernsehturm, a Torre da Televisão com 368 metros de altura, onde o Socialismo da RDA quis exibir parte do seu esplendor. Para subir existiam longas e demoradas filas de espera… Fugindo à multidão entrou-se no pacato bairro Nikolaiviertel junto à Rotes Rathaus, a Câmara Municipal. O seu aspecto familiar aconchegou… As lojas estavam quase vazias e nos cafés encontrou-se Glühwein suficiente para sustentar o movimento do corpo.
Junto ao Checkpoint Charlie, um local de passagem entre Berlim ocidental e oriental, visitou-se o Museum Haus Checkpoint Charlie onde a quantidade e a qualidade da informação sobre a divisão da cidade justificam uma visita. Porém uma melhor organização no encadeamento da exposição tornaria a experiência mais enriquecedora. A escassas centenas de metros, na Niederkirchnerstrasse, ainda se ergue uma parte do verdadeiro Muro de Berlim que está protegido dos turistas dado o recorrente hábito de retirar uma pedrinha como recordação. Não há Muro suficiente…
Com o aproximar da noite visitou-se o DDR Museum que atrai os visitantes com a promessa de experiências interactivas sobre a vida na RDA. As pessoas aglomeram-se no apertado espaço e o museu resume-se a salas com objectos guardados em gavetas que se podem abrir. No museu da Helmut Newton Foundation exibe-se parte da obra do fotógrafo que apesar de bastante interessante não fascina.
Entre todas, a melhor forma de conhecer uma cidade é andar no meio da multidão, seguir os moradores e atravessar os jardins desertos. Com esta convicção atravessou-se o parque Schlossgarten Charlottenburg, que se estende nas traseiras do palácio Schloss Charlottenburg, onde o lago congelado estalava suavemente com o peso do corpo. Não há nada a recear quando esta é a música ambiente ideal para o momento.
De regresso à Breitscheidplatz, percorreu-se a Hardenbergstrasse até à Ernst-Reuter-Platz, onde as avenidas se sucedem até ao infinto: Bismarckstrasse, Strasse des 17. Juni, Unter den Linden… Deambulou-se sem pressa no Tiergarten onde o branco reinava novamente sobre o verde do jardim. Subiram-se os 70 metros da Siegessäule e continuou-se em direcção à Bradenburger Tor sempre com a Fernsehturm presente no horizonte. Parou-se no Sowjetisches Ehrenmal, um memorial erguido em 1945 pela União Soviética às vítimas da guerra, passou-se pela Haus der Kulturen der Welt, visitou-se a exposição subterrânea por baixo dos 19.000 m2 dedicados ao Holocaust-Mahnmal, um memorial aos judeus vítimas do Holocausto, e atingiu-se a Fernsehturm quando o Sol já não brilhava.
Aproveitando o pouco tempo que restava visitou-se o Deutsche Guggenheim, subiu-se à cúpula panorâmica do Reichstag, o edifício do Parlamento, e jantou-se no Sony Center.
Berlim cativa pela diversidade e dimensão da oferta cultural. A cidade renasceu das cinzas do sangue e além de organizada é funcional. Apetece estar e demorar na capital alemã que carrega um estigma capaz de questionar a essência humana e os seus travos de irracionalidade. Haja memória suficiente para nunca esquecer.
O novo ano nasceu em Berlim mas, sendo o Mundo quase tão pequeno como os dias que formarão 2009, poderia ter desabrochado em qualquer outro local. O paraíso, que continuamente se busca, situa-se somente onde nos sentimos em casa e por isso só em Lisboa faz sentido desfrutar e pintar os tons das quatro estações vindouras. Um brinde ao dia de hoje e aos outros que se seguirão.
Paulo Vyve