Tanto a Croácia como o Montenegro e a Bósnia-Herzegovina, são filhas emancipadas da antiga Jugoslávia cujo hostil processo de separação ocorreu na década de 90. Uma diferente perspectiva histórica implica reformular a frase anterior e afirmar que o aglomerado baptizado por Jugoslávia não era a mãe mas sim a filha.
A Croácia curou as feridas de guerra, ou pelo menos maquilhou-as, e oferece ao mundo Dubrovnik, a sua “Jóia do Adriático”, com a alma intacta.
O relevo acidentado é assimilado ainda no aeroporto. As montanhas nascem determinadas à beira-mar e rapidamente galgam centenas de metros de altura. São escarpas, precipícios que tanto protegem as cidades como as deixam cercadas e isoladas.
Dubrovnik ostenta o seu esplendor dentro das antigas muralhas que se estendem por 1.960 metros atingindo, por vezes, 12 metros de largura e 25 de altura. Na Stradun, a rua principal que começa na porta principal e se estende até ao porto, as pessoas demoram-se… Há diversas fontes que matam a sede, palácios, igrejas, praças ocultas no fim de estreitas ruas… O convite para descansar e beber algo fresco é constante. No entanto, as esplanadas mais preciosas estão no fim do labirinto, do outro lado das muralhas, nas pedras onde o mar ainda não chega! De dia a ilha de Lokrum conforta a vista; à noite o ruído suave do Mar Adriático sossega e define a palavra “férias”.
A curtos metros da porta principal e isolada das muralhas principais está o quase esquecido Tvrdava Lovrjenac, um forte que por ser mais alto dá uma nova dimensão ao centro da cidade. No entanto, a melhor vista da cidade é obtida no cimo do Monte Srd a cerca de 413 metros de altura. A subida é longa e desconfortável mas no cume Dubrovnik transforma-se numa miniatura de barro que apetece trazer para casa.
De volta ao centro entrou-se no pequeno Mosteiro Franciscano Mala Braca, no seu Museu e no pobre Knezev Dvor, o Palácio do Reitor. Menos popular e bastante recente é o War Photo Limited, um museu controverso que expõe fotografias sobre guerras e conflitos de forma teoricamente imparcial com o único objectivo de transmitir a dor, a crueldade, o desespero e a injustiça que são impossíveis de evitar sem paz. A exposição patente “Child Soldier” é absurdamente intolerável.
Dubrovnik possibilita ainda a vertente praia, porém importa prevenir o turista luso que a areia, a existir, está escondida. A água translúcida não chega a ser quente mas a total ausência de ondas faz crer que estamos numa piscina forrada com seixos. Mesmo assim as crianças correm despreocupadas enquanto os comuns croatas jogam pólo aquático com a mesma naturalidade que em Portugal se brinca com as clássicas raquetes de praia.
A escassos 10 minutos de barco está Lokrum com uma vegetação densa que esconde as aves que ininterruptamente provocam um impressionante ruído ensurdecedor. A ilha é uma reserva natural e no ponto mais alto espreita o Fort Royal que, à semelhança de um mosteiro, se encontra em ruínas. Existe ainda um jardim botânico mas a principal atracção, em conjunto com as praias sossegadas, é o Mrtvo More, um pequeno lago de água salgada.
Aproveitando a proximidade geográfica rumou-se até ao vizinho Montenegro que é desde 2006 um país plenamente independente. Apesar da considerável percentagem de montenegrinos favorável à manutenção da união com a Sérvia, o facto de serem o único estado resultante da antiga Jugoslávia que assumiu a sua independência sem um conflito armado é um motivo de orgulho.
A estrada para Kotor segue próxima do mar até que em Perast se opta pelo barco para visitar a pequena e artificial ilha de Gospa od Skrpjela. A paisagem é idílica, capaz de inspirar inúmeras capas de revistas de viagens! Apesar de ser um país bastante pequeno o Montenegro possui montanhas altíssimas, praias de areia branca, baías, fiordes…
Kotor é uma cidade medieval catalogada pela Unesco e protegida há séculos por muralhas que sobem a pique na montanha. No seu interior sucedem-se os edifícios antigos e os pátios, a que chamam de praças. Budva, outra cidade à beira do Adriático, surgiu antes do regresso.
Na Bósnia-Herzegovina, a cidade de Mostar com a sua Kriva Cuprija, uma ponte também declarada património mundial pela Unesco, foi o destino eleito. Se na Croácia e no Montenegro a guerra implicou cicatrizes, na Bósnia-Herzegovina há ainda vestígios recentes… As fachadas de vários edifícios estão dramaticamente cravadas de balas e para os mais distraídos há lembretes nas ruas: “Don’t Forget ‘93”.
Antes da chegada a Mostar parou-se em Neum, a única cidade costeira da Bósnia-Herzegovina, com uma localização absolutamente inaudita por cortar o território continental da Croácia em duas partes não contíguas.
Mostar viveu intensos confrontos e toda a sua zona antiga, incluindo a ponte já reconstruída, foi absolutamente dizimada. Especialmente nesta zona, onde se devia admirar a união entre as margens que separam os “bosniaks” (expressão politicamente correcta para definir os muçulmanos da Bósnia-Herzegovina) da população de origem croata, tudo perde o sentido… Alimenta-se a melancolia da irracional e implacável destruição provocada pela mão humana. Nada justifica as vidas tombadas pelo conflito.
Ainda em Mostar entrou-se na Turska Kuca, uma casa tipicamente turca, e na Karadoz Begova Dzamija, a mesquita. No caminho de volta à Croácia parou-se em Medjugorje.
O regresso a Portugal proporcionou o acesso fácil a graciosas praias de areia acetinada… Contudo, o fundamental é consagrar um país de brandos costumes onde a guerra se dissimula no tempo e no espaço. Tal como a água que afoga a sede, a paz é essencial mas tende a ser negligenciada até que a sua ausência é equacionada e o inerente desperdício de vidas constatado.
Paulo Vyve