Abri os braços para acolher o esplendor cinzento dos dias escoceses. Mentalizei-me que conviveria com a inevitável chuva, que alimenta as paisagens verdes, e empacotei a roupa adequada. No entanto, cheio de fé, a bagagem ia igualmente preparada para dias de sol.
Saí do aeroporto de Edimburgo num Peugeot 2008, graças a um upgrade gratuito, e conduzi para norte habituando-me, outra vez, ao outro lado da estrada.
Stirling é composta por edifícios parcos de altura e a zona histórica sobe por uma colina que agradavelmente se percorre a pé. Na entrada do castelo ouvi um simpático “we are closed”. Não lamentei muito porque no horizonte admirei a torre do The National Wallace Monument com uma imponência que seduzia.
O monumento homenageia Sir William Wallace exaltando o seu patriotismo na luta contra os ingleses (tal como o cinema americano narra). A torre apresenta no interior uma exposição sobre o homem e a lenda. Do topo a vista é excelente: de um lado a cidade estava envolta num verde primaveril; do outro os montes preenchiam a paisagem. Como inspiração retém-se a frase “Every man dies. Not every man really lives”.
Depois de uma rápida paragem no Lake of Menteith continuei na direcção do Loch Lomond que, em termos de superfície, é o maior lago da Escócia (para efeitos estatísticos: 36 quilómetros de comprimento; 8 quilómetros de largura máxima; 153 metros profundidade máxima). Na margem ocidental visitei Luss e Inveruglas onde a instalação “An Ceann Mór” oferece um artístico miradouro. A paisagem é idílica com uma sucessão de montanhas atrás do manto de água.
Mais a norte, depois do lago, e junto às Falls of Falloch estava a instalação Woven Sound. Novamente a beleza natural da cascata sobrepõe-se a qualquer intervenção artística. É um local fabuloso. Em Killin espreitei as Falls of Dochart que, pela escassa água, não impressionaram.
Rumei para Dundee, na costa oriental, por estradas regionais onde a velocidade de progressão é limitada pela sinuosidade e a falta de visibilidade do percurso.
Eventualmente por ser sábado o centro da cidade estava bastante animado. Na rua, imensa gente aproveitava o sol estendida na relva. Demorei-me no Discovery Point que alberga o navio RSS Discovery depois deste ter navegado pela distante Antártida (no início do século passado). O museu tem bastante informação e a visita merece o tempo investido.
Pela costa subi até ao Dunnottar Castle cuja localização é impagável. O imenso movimento nas proximidades do castelo contrastava com o seu interior tranquilo (porque a entrada não é barata). As ruínas estão bem cuidadas (o que até atenua o encanto histórico) mas é a sua posição no alto de uma colina à beira mar que seduz. A atmosfera é cativante pela conjugação do som das ondas nas rochas, da vista desafogada e do verde do relvado a mergulhar no azul do mar.
Atravessei o Cairngorms National Park onde as estradas sobem até onde no inverno a neve impera. Foi um demorado caminho que o GPS antecipou que seria medido em tempo e não em distância. As estradas com desníveis acentuados consumiram cerca de 3 horas para uns 180 quilómetros.
Chegado a Inverness passeei de manga curta enquanto saltitava sem pressas entre as acolhedoras margens do Rio Ness.
O destino seguinte foi o Loch Ness cuja fama atravessa fronteiras e gerações. O monstro, que nunca existiu, faz parte de um imaginário fértil que a humanidade adora alimentar. Contribui para a causa com uma visita ao The Loch Ness Centre & Exhibition. O lago é o segundo mais profundo da Escócia (226 metros de profundidade máxima) mas o maior em termos de volume de água doce (com 37 quilómetros de comprimento e 2,7 quilómetros de largura máxima).
Na vizinhança do lago está o vale Glen Affric onde se encontram, depois de uma longa caminhada, as Dog Falls. Mais a sul parei nas Dhivach Falls, no Urquhart Castle, e já na costa oriental desci até às Falls of Foyers e passeei na Dores Beach.
Conduzi para norte até à Black Isle, que por acaso é uma península, para visitar a Glen Ord Distillery (que produz o whisky Singleton). No Chanonry Point, junto ao farol, vi de forma inesperada golfinhos. Ainda tive tempo para caminhar até às Fairy Glen Falls.
A Isle of Skye era ansiosamente aguardada. A paisagem e a beleza natural deslumbraram como é praticamente unânime nos relatos que se podem ler. Parei no fotogénico Eilean Donan Castle, na pequena cidade de Portree e mais a norte subi até à base do rochedo Old Man of Storr. Se a subida cansou o corpo a paisagem alimentou o ânimo.
Senti o tempo mais curto que o normal e entre todas as alternativas optei por procurar as Fairy Pools no Glen Brittle, espreitar o Dunvegan Castle, alcançar a inaudita Coral Beach (com gado na praia e focas no horizonte) e percorrer o mágico Neist Point até ao farol. O adeus à ilha foi na cidade de Kyleakin que estava povoada com uma praga de mosquitos.
Nos tempos modernos a maior atracção de Fort William talvez seja a proximidade com o viaduto de Glenfinnan popularizado por uma sequela de filmes. Subi uma pequena colina e no topo a multidão exclamou ao ver-me: “you missed the train”! Haverá coisas piores.
No entanto, o local mais interessante da zona é o Glen Nevis onde caminhei até à Steall Waterfall que é uma das mais altas cascatas escocesas (120 metros de altura). O percurso não é totalmente acessível mas faz-se com um sorriso. Ali perto está o Ben Nevis, a montanha mais alta da Escócia, que não tentei visitar. Foi a última vez que caminhei num parque nacional. Mais à frente ainda parei no Glen Coe para contemplar os picos “Three Sisters” mas o destino no GPS já estava alinhado para Edimburgo.
É ingrato apreciar uma cidade após tantos dias no meio de um verde tão vivo. Os lagos, as cascatas e as estradas em “single track” habituam os sentidos a um ambiente natural que em Edimburgo não tem continuidade. Reencontrei os engarrafamentos, as obras nas estradas e multidões… Talvez injustamente, declaro que Edimburgo é uma cidade feia onde as panorâmicas são preenchidas por uma moldura edificada castanha.
Até a chuva, que até então tinha estado ausente, ameaçou com as suas pingas grossas. Foi o pretexto para entrar numa coffee shop e aquecer o corpo com chocolate e cafeína. Entre os encantos das cidades estão os cafés e as suas tentações doces.
Geograficamente a cidade é fácil de descrever. A Old Town e a New Town encaram-se. Na zona antiga a Royal Mile liga o castelo ao parlamento e ao palácio. A área mais nova, igualmente antiga (construída entre 1767 e 1850), segue a Princes Street que é paralela à Royal Mile.
Nas proximidades está a Calton Hill com vários monumentos e generosas vistas para a cidade. Visitei o Museum of Scotland onde a galeria principal, um espaço imaculadamente branco, sobressai. O conteúdo do museu é vastíssimo e é fácil perder o fim condutor da coleção no labirinto não sequencial das galerias.
Glasgow, a cidade mais povoada da Escócia, acolheu-me melhor que Edimburgo. O ambiente estava menos sobrelotado, as lojas pintavam com cores as fachadas dos prédios e os deuses da meteorologia continuaram tolerantes. Visitei o “The Lighthouse”, um convidativo centro de design e arquitectura, e a Gallery of Modern Art (GoMA) onde apenas destaco a primeira exposição apresentada (“Deep Sea”).
Ao devolver o carro carregado com umas 1.200 milhas (mais de 1.900 quilómetros) tenho de realçar que a natureza é deslumbrante.
Não posso ignorar que o sol que me acompanhou foi um presente inesperado. Em jeito de brincadeira a expressão escocesa “if you don’t like the weather, wait an hour” não teve aplicação! A roupa mais quente não saiu da bagagem que enchi com imagens para recordar sempre que o peso do dia-a-dia piscar o olho.
Paulo Vyve