As primeiras impressões de Estocolmo são cultivadas e melhoradas com o tempo. A cidade está dispersa por 14 ilhas que nas pontes se unem. A pequena ilha Stadsholmen acolhe a histórica Gamla Stan que fica tristemente despida de gente quando a chuva cai. As nuvens negras afastam-se e as pessoas surgem para refinar o interesse da pedonal Västerlånggatan, da praça Stortorget e das envolventes ruas estreitas. O palácio Kungliga Slottet no topo de uma minúscula colina é um pequeno miradouro.
Na ilha Kungsholmen descansei junto à Stadshuset, a câmara municipal, continuei para a ilha Riddarholmen e depois para a ilha Helgeandsholmen onde reside o Riksdagshuset, o parlamento. Um pouco mais a norte, saltitando entre as ruas Vasagatan e Drottninggatan entrei na suja Kulturhuset para desagradado sair.
A sul da cidade, a Södermalm, tem um travo a subúrbio sem espaço para os altos padrões nórdicos. A vida alternativamente indigente implantou-se e exibe as suas cores. Desci pela Götgatan, deambulei na Medborgarplatsen, cheguei ao jardim Tantolunden e no regresso subi os 38 metros do desactivado elevador Katarinahissen.
O Vasamuseet, que resgatou ao fundo do mar um barco de guerra afundado, na viagem inaugural em 1628, impôs uma caminhada até à oriental ilha Djurgården e permitiu desvios para espreitar o calmo parque Skansen e as ilhas Skeppsholmen e Kastellholmen.
O aeroporto de Bromma, nos arredores de Estocolmo, merece uma referência por ser uma nódoa! Assim, aterrar na Estónia evidencia uma paradoxal viagem em sentido inverso ao do desenvolvimento. A experiência afronta o senso comum!
Sem hesitar, de Tallinn cavalguei de carro recrutado, um mui bravo Nissan Micra, até à cidade universitária de Tartu. A viagem inaugural, com menos de 200 quilómetros, permitiu contemplar uma paisagem de florestas densas que se repetiu sem tréguas. As altas árvores, que sempre me pareceram pinheiros, envolvem furiosamente as modestas estradas.
Tartu é orgulhosamente jovem. Os estudantes caminham em grupo, como formigas, na direcção do conhecimento. O frio e o desejo de uma bebida quente colidiram na dificuldade de encontrar um café aberto. Entre a praça Raekoja Plats, que aloja além da câmara municipal a famosa estátua dos estudantes enamorados, e a movimentada Küüni surgiu um quiosque com cafeína. Passeei ainda no parque Toomemägi, onde as ruínas da catedral sobrevivem, e encaminhei-me para o centenário edifício da universidade.
A incursão no Haanja Looduspark, um Parque Natural, revelou-se uma desilusão. A paisagem pouco, ou nada, se alterou face à mancha verde rodoviária. Publicita-se o ponto mais alto do Báltico, o Suur Munamäg a cerca de 318 metros acima do nível do mar, onde não se vê vivalma. Em Rõuge promovem-se os 38 metros de profundidade do lago mais fundo da Estónia mas lamentavelmente parece um charco.
A cidade de Valga é trespassada pela fronteira com a Letónia, onde muda de nome para Valka, e anuncia-se como “uma cidade, dois países”. A atmosfera é pobre, as paredes são de madeira velha, e se luxos existirem estarão investidos no parque automóvel.
A rota continuou com paragem na aclamada Cēsis no interior do parque natural Gaujas Nacionālajā Parkā. O dia que já ia longo inviabilizou a exploração do interior do castelo mas o parque circundante possibilitou um excelente passeio que só o relógio sugeriu terminar.
Riga, a cidade mais populosa do Báltico com cerca de 700 mil pessoas, faz crer pelo seu movimento que a noite não arrasta as almas para a cama. Há trânsito constante e restaurantes abertos durante a noite. No entanto, persiste um realidade menos iluminada: a língua inglesa não flui e é substituída pela linguagem gestual de sobrevivência; há propostas de descontos que incluem subornos; há máquinas multibanco que não aceitam o universal plástico…
A arquitectura art nouveau da zona histórica é interessante mas não me arrebata. Da Doma Laukums, onde a catedral se escondia atrás de obras de manutenção, divaguei pela zona circundante. Subi e desci a pedonal Kaļķu Iela e parei na Rātslaukums onde visitei o Latvijas Okupācijas Muzejs sobre as ocupação da forças nazis e soviéticas. Perdi-me nas cores do mercado Centrāltirgus e percorri a avenida Brīvības Bulvāris.
Depois de pagar por umas horas de estacionamento mais do que paguei pelo alojamento no hotel (entenda-se “hotel” como uma hipérbole), rumei para Jūrmala, a distinta zona costeira que encontrei deserta.
Conduzi para a assumidamente esquecida península de Kurzeme e no sentido do cabo Kolka, pela anteriormente militarizada margem ocidental, há placas que desvendam desoladoras povoações como Liepene e Oviši. Com persistência cheguei ao mar depois de galgar uma barreira natural de vegetação que esconde do mundo terreno o marítimo.
A viagem para sul, antes da entrada na Lituânia, foi encaminhada para Kuldīga que me atrevo a caracterizar como um fiel postal das pequenas e médias cidades letãs. As paredes das casas cheiram a esquecimento e as ruas são frias, desinteressantes e desinteressadas. Poderia concluir que é pobreza, e talvez também o seja, mas não há dinheiro que aqueça um coração.
Felizmente a natureza é generosa e no rio, a montante da ponte, surgem as Ventas Rumba, as cascatas que são anunciadas como as mais largas da Europa. Saliento que ninguém as catalogou como impressionantes mas roubam sorrisos quando os salmões desafiam a gravidade e esforçam-se por voar.
A costa lituana, com destaque para Palanga e Klaipėda, aparenta ser o destino balnear mais popular da região. Os acessos são bons, a oferta hoteleira tem requinte e as praias são amplas mas na ausência de calor escasseiam os veraneantes nas ruas que não prendem o olhar.
Viajei até Kaunas onde gostava de esquecido os ponteiros do relógio. Nas pedonais e longas Laisvės Alėja e Vilniaus Gatvė pairam os sonhos despreocupados da juventude. Podem até tender para o provocador mas são exibições de vida e dos seus prazeres.
Ao cair da noite conduzi até Trakai que seduz inúmeros turistas com idílicos lagos, ilhas e, a cereja no topo bolo, um castelo. Pais e filhos passeavam, navegavam de barco a remos, e partilhavam tempo juntos. O ambiente era quase familiar e relaxado.
Em Vilnius, a capital lituana, entretive-me com o acordar da cidade. Para a praça Rotušės Aikštė, em frente à Câmara Municipal, convergem as principais ruas históricas. Desci a Piller Gatvė até à catedral e subi a colina Gediminas até à torre com o mesmo nome que assinala a fundação da cidade. Espreitei a Vokiečių Gatvė e palmilhei a Aušros Vartų Gatvė até à Aušros Vartai, uma antiga porta da cidade que actualmente serve como local de culto religioso.
Não fosse a chuva no regresso à Estónia, que por momentos parecia querer afogar o mundo, e as regras de trânsito letãs, onde quem ultrapassa é dono da prioridade, e a viagem de 600 quilómetros ficaria registada sem maculada de sustos. Antes de devolver o carro ainda explorei a área do Lahemaa Rahvuspark, até Juminda.
O encanto de Tallinn reside dentro das muralhas, na Vanalinn, onde as ruas, os cantos e os recantos são dignos de um conto de fadas. A central Raekoja Plats é o ponto de partida ideal e de reencontro. Alargando o perímetro surge a Vabaduse Väljak, a Praça da Liberdade, espaços verdes e a colina Toompea. Merece igualmente uma pausa o parque em Kadriorg que não é imperdível como sugerem os locais.
Existem dois edifícios herdados da ocupação soviética que permanecem na cidade. Se a Eesti Rahvusraamatukogu, a biblioteca nacional, pouco se destaca a atmosfera fabril do Linnahall denuncia um monstro impossível de ignorar. A antiga sala de espectáculos, originalmente construída para apoio aos Jogos Olímpicos de 1980, não tem nexo: a baixa altura contrasta com o comprimento a perder de vista, as escadarias são incompreensíveis ao olhar, e a sua localização inibe à cidade a vista mar. Infelizmente o interior do edifício não é visitável.
Depois de 90 minutos de viagem de ferry até Helsínquia compreendi porque não lhe são reconhecidas as virtudes de um destino turístico apetecível. A ortodoxa Uspenskin Katedraali e a luterana Tuomiokirko, que se espreitam do topo de duas pequenas colinas, são os destaques que consigo mencionar. Divaguei ainda até Kaivokatu, junto à estação de comboios.
A Finlândia terá muito além da Capital do Design e das suas lojas bonitas e dispendiosas. Os preços ridiculamente altos não democratizam a arte. Não senti empatia com a cidade.
Precisei de navegar até às ilhas de Suomenlinna para saciar o olhar. A antiga fortaleza é habitada mas são os turistas que reinam. Há um relação equilibrada entre o verde da natureza e a pedra moldada pelo homem. Há canhões cansados pelo tempo e coelhos que fogem das máquinas fotográficas.
Com o regresso a Tallinn iniciaram-se os procedimentos de regresso a casa. Avião, outro avião e, depois de mais uma paragem, para pecar na luxúria do chocolate belga, Lisboa o mais doce dos terrenos.
Paulo Vyve