Uma pesquisa prévia previu um choque cultural mas a realidade do Egipto superou, como de costume, a limitada imaginação. O Cairo, que é a maior cidade do continente africano, é uma imensa massa em constante movimento onde um receio infantil paralisa a compreensão de uma ordem inexistente mas que simultaneamente se reinventa de forma contínua.
Para preservar a sanidade mental é aconselhável ter em consideração que a “baksheesh”, a gorjeta, é uma eminência nacional. Um simples sorriso pode justificar tal contribuição. Os prestáveis vendedores, que não ouvem o “no” ou o “la” são pegajosos, extraordinariamente persistentes e demasiado crentes na ignorância do turista. Para conforto uma postura adequada passa por ignorar muito, falar pouco, ouvir ainda menos e regatear sem pudor.
O trânsito no Cairo tende para campos abraçados pela arte. Conduzir na cidade é dominar os instintos mais básicos da sobrevivência e possuir o dom inato da prioridade. Independentemente da hora as largas ruas estão congestionadas e no caos aparente todos seguem o seu rumo. Os semáforos possuem meramente fins decorativos.
Na sequência dos recorrentes atentados bombistas, o Egipto adoptou severas medidas de segurança: cães treinados procuram explosivos nas viaturas; detectores de metais povoam as entradas dos espaços públicos; revistam-se malas… A segurança dos turistas é ainda assegurada pela temida Polícia do Turismo que está constantemente visível.
No primeiro dia de viagem percorreu-se parte do Cairo e com a chegada da noite viajou-se até Hurghada a cerca de 5 horas de distância. Sem problemas atravessou-se aproximadamente 500 quilómetros de deserto rumo às praias do Mar Vermelho.

A sul da Ilha Giftun el Saghir, Hurghada

Apesar de Hurghada ter raízes mais antigas que o turismo da região toda a cidade se movimenta em redor dos hotéis e resorts. As praias são efectivamente tentadoras; o vento sopra suficientemente forte para que os kitesurfers se instalem no horizonte; a água salgada do mar é quente e acomoda o exotismo da vida aquática no seu interior.
Mergulhou-se em diferentes spots da área: Abu Hashish, El Desha, Banana Reef e Gorgonia Garden. Em todos eles desvendam-se criaturas que o comum dos mortais desconhece… A água é transparente como o ar que respiramos, a vida é colorida com formas irregulares e sente-se uma harmonia sem resquícios de sociedades demagogas ou dogmatizadas. Se existissem palavras para descrever o que os olhos viram eu gostava de as conhecer para partilhar um pouco do fascínio que naturalmente nasceu no meu ego.

Antes do “drift dive” no Banana Reef, Hurghada

Num pólo diametralmente oposto, mas não muito longe da praia, principia o Deserto Oriental do Egipto, comummente considerado parte do Sahara. De quad pisou-se a raia de uma terra vazia, abandonada entre pedras e areia quente… Algures por ali ouviu-se falar de uma aldeia de Beduínos onde se bebeu algo semelhante a um chá. No topo das pequenas colinas guardava-se lugar para contemplar o sol que anunciaria o fim do dia. Não tardou muito até que o amarelo da estrela iluminasse outras terras. O céu ficou governado pela Lua que destacava a áurea dourada que no céu ainda pintava as nuvens. O chão ficou escuro.
Findos os dias dedicados à praia e após uma visita à zona do bazar de Hurghada regressou-se ao Cairo. A viagem foi realizada de dia o que comprovou a imensidão da terra árida no Egipto. Poucas são as povoações que o deserto acolhe e todas estão pintadas com a cor da areia que a estrada atravessa. Um sentimento melancólico pouco poético sente-se ao deambular mentalmente sobre a solidão da vida nestes locais. É um facto que há felicidade muito além dos estereótipos das metrópoles mas o isolamento será sempre castrador.
No Cairo recuperaram-se as impressões do primeiro dia. Acrescentam-se, para mais tarde recordar, os piqueniques da meia-noite nas pontes sobre o Nilo, os chamamentos para a oração e o estigma de ser turista.
A poucos metros da piscina do hotel, as Pirâmides de Gizé estão rodeadas pela confusão da cidade que lentamente avança sobre o seu monumento mais mediático. No sopé das pirâmides é possível vislumbrar parte da cidade que se perde na sua imensidão. O calor queima além do tolerável e as construções faraónicas evidenciam fortes sinais de desgaste. As pirâmides estão longe de estarem bem conservadas mas isso até é sensato com a sua idade monstra. As pedras que sustentam as estruturas são enormes e as que tombaram acomodam-se aos pés dos turistas pela ordem definida pela gravidade. A Esfinge está próxima e igualmente danificada. Percorreu-se a zona a pé e de camelo. Eterna admiração aos animais que se aventuram a cruzar os desertos.

Em frente à Grande Pirâmide de Gizé, Cairo

Antes de entrar novamente no avião ainda se parou num restaurante típico e num imenso bazar do Cairo para compras de última hora. Nas ruas estreitas os turistas já conquistaram um espaço mas encontram-se lojas pequenas com modestos negócios para os genuínos egípcios.
A oferta turística do Egipto é vasta… A História cruza o deserto até à praia! A única Maravilha do Mundo Antigo intacta é apenas outro trunfo tão relevante como a shisha ou qualquer outra diferença cultural. Porém ao regressar a casa percebe-se, novamente, que as verdadeiras maravilhas não são classificáveis e que nada substituirá o aconchego do local onde os melhores recantos se escondem secretamente entre a banalidade dos dias que se sucedem… A convicção de que muitos outros lugares estão por desvendar transmite uma profunda tranquilidade.
Paulo Vyve

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