Voltei ao Mar Vermelho onde ansiava banhar-me desde a última visita em 2010. Nunca me faltou vontade de regressar ao Egipto, o seu porto de embarque mais acessível, mas a coragem fraquejou continuamente. As notícias ocidentais aconselham prudência apesar de no sul do país existir uma tranquilidade aparente. O turismo é, no entanto, uma sombra do que conheci: faltam pessoas nos hotéis e sobram espaços abandonados.
Depois da tardia chegada do avião a Hurghada seguimos, no dia seguinte, de autocarro para a marina de Port Ghalib a cerca de 200 quilómetros. A estrada praticamente deserta atravessou povoações onde as ruas, tradicionalmente caóticas, obedecem a regras de trânsito por decifrar. Algures no percurso reparei num posto de controlo militar que, pelo aparato de soldados e pela dimensão das viaturas de combate, recordou-me que existem questões que a diplomacia ainda não ultrapassou.
Há uma rotina num Liveaboard fácil de assimilar: dormir, comer e mergulhar. Podem irromper pontuais variações na ordem mas as actividades permanecem inalteradas. O ritmo é regulado por um sino que apela à reunião dos presentes na sala de convívio: o cabelo molhado denúncia que será servido farnel; o cabelo seco anuncia um mergulho depois do respectivo briefing.
O M/Y Emperor Asmaa não merece, na minha opinião, reclamações mas a habituação ao barco não é instantânea. O espaço é invadido por duas dezenas de almas que procuram ao mesmo tempo acomodar as tralhas (quem mergulha carrega muitas quinquilharias incluindo imenso material eléctrico com baterias sedentas). O ambiente é incansavelmente animado. Os mergulhadores partilham um interesse comum que alimenta conversas: promovem-se os países de origem, discutem-se os mares distantes já mergulhados e as anteriores experiências no Mar Vermelho. Tudo o resto segue as cordiais regras das relações sociais.
Zarpámos da marina na manhã seguinte para o “check dive” da praxe. Face à facilidade do local, uma baía pouco profunda, a presença do guia foi dispensada por quem não o desejou. O “check dive” foi pouco ou nada “checked”. É um novo conceito a reter.
O mar calmo permitiu iniciar a rota pelas Brothers Islands, a algumas horas de distância, onde em 4 dias fizemos 11 mergulhos repartidos entre a Big Brother e a Small Brother. Navegámos depois para o recife de Elphinstone onde num dia entrámos 3 vezes na água salgada. A rota incluiu ainda 4 mergulhos junto à costa no regresso a Port Ghalib.
Muito se divaga sobre a vulnerabilidade humana no mar (onde somos lentos e desajeitados). Enquanto o senso comum repete palavras apocalípticas, que alimentam pesadelos com (teoricamente) fatais ataques de tubarões, um mergulhador investe na observação da majestosa “big life”. Um mergulhador madruga na ânsia de encontrar na água ambientes naturais ainda não contaminados pela mão empreendedora do homem. Um mergulhador está também ciente que na dieta de um tubarão não consta carne humana! Acidentes são raros e quando se respeita a envolvente não se sente qualquer vulnerabilidade.
Sem individualizar mergulhos, porque recordo o Liveaboard como um todo, assumo que alguns entram directamente e sem contra-argumentação possível na galeria dos inesquecíveis. Destaco alguma da grande e fausta fauna que nos honrou com a sua visita: Grey Reef Shark, Oceanic Whitetip Shark, Scalloped Hammerhead Shark, Thresher Shark e Manta Ray.
Nunca antes tinha visto Tubarões Martelo! São criaturas lindas, cativantes quase hipnotizantes! Quando um se aproximou curioso houve uma alegria geral difícil de conter. Foram instantes, pouco mais do que segundos, que justificaram as horas de viagem (por ar, terra e mar) desde a ocidental praia lusitana. A natureza é uma saudável fonte de euforia.
Será igualmente impossível esquecer a Manta, da largura de um autocarro, que bailou num vai-e-vem à nossa frente. A doçura dos movimentos colide com a sua enormidade. Nadei na sua direcção e sempre que me aproximei um metro ela afastou-se dez…
A sorte grande permitiu que debaixo do barco, nas paragens de segurança, surgissem Oceanic Whitetip Sharks. Gradualmente as pausas no azul foram prolongadas porque a espera tendia a contemplar os pacientes. A proximidade foi tal que os tubarões nos serpentearam sem vergonha.
Em Marsa Shouna, onde mergulhámos antes de pisar novamente terra firme, procurámos um Dugong sem sucesso mas encontrámos no fundo arenoso as adoráveis Tartarugas Verdes. Não me canso de observar tartarugas.
O neopreno húmido tornou-se um bicho papão depois de mais de 19 horas no seu interior. O desejo de regressar não surgiu por qualquer enjoo ou aborrecimento. A vida no mar é que pede terra. Essa vontade ergue-se mesmo quando tudo corre bem. Aliás, acontece especialmente quando apetece repetir tudo de novo.
Paulo Vyve