De todas as Comunidades Autónomas espanholas a Galiza é aquela que possivelmente recolhe mais simpatia entre os portugueses. Não faltarão bons motivos que o justifiquem mas a língua galega será garantidamente um forte elo na ligação. É a falar que os povos se entendem.
Para chegar à nortenha cidade de A Coruña, cruzando a fronteira em Valença, é preciso percorrer ainda quase 200 quilómetros. Usam-se naturalmente as auto-estradas que são principescamente pagas nas portagens que se sucedem sem misericórdia. Haverá genes portugueses na origem desta praga?
Começando pelo fim, a última impressão de A Coruña é que mais tempo lhe devia ter sido dedicado. A cidade inicialmente fechada numa pequena península estendeu-se no terreno. A costa reveste-se de praias, grandes e pequenas, em todos os pontos cardeais e colaterais. Os museus asseguram a oferta cultural e as cuidadas fachadas dos edifícios, especialmente junto ao mar, embelezam as caminhadas.
Visitou-se toda a envolvente da Praza de Maria Pita e caminhou-se, evitando os pingos da chuva, pela Cidade Vella até ao Xardin de San Carlos. Deambulou-se no Parque de Santa Margarita e, depois da subida à Torre de Hércules, no bem cuidado Parque da Torre.
Entrou-se na Fundacion Caixa Galicia onde estava patente uma exposição de fotografias tiradas nos anos 20 do século passado. Visitou-se o Aquarium Finisterrae, a Domus e passeou-se no Elevador Panorâmico al Monte de San Pedro.
Tradicionalmente a região costeira desde A Coruña até Muros é assombrosamente designada por Costa da Morte. A justificação mais difundida refere que a costa perigosamente recortada causou centenas de tragédias náuticas e se tornou a última morada de muitos marinheiros. Existem, no entanto, referências históricas que indicam que se acreditava que o mundo ai terminava e que todos os dias no horizonte o Sol morria.
Independentemente da origem da designação a área merece ser percorrida sem pressa ou receio. As grandes cidades e a confusão são abandonadas e por estradas estreitas, ora com o mar ao lado, ora rodeado de árvores ou pedras, facilmente se entra numa misteriosa realidade. As pequenas povoações chegam-se à margem, quase entrando no mar, e simultaneamente os diversos cabos e faróis, que são o último apoio terreno, entrelaçam-se com o mar, e convidam-no a acomodar-se. Continuar implica recuar.
A primeira paragem depois de A Coruña foi a pequena vila de Caión. Seguiu-se o Cabo San Hadrián, com vista para as Illas Sisargas, e parou-se depois na Punta Nariga e na Punta Roncudo. Com a chegada ao Cabo Vilán o Sol começou a despedir-se e correu-se até ao Cabo Fisterra. Foi o fim do dia e da viagem. A luz e o pouco calor desapareceram. Alguns resistentes ainda queimavam más memórias nas pedras do cabo para simbolicamente fechar o ano que horas antes se convertera no pó da História.
A ciência, e a simples ousadia humana de ultrapassar os seus limites, comprovou que existe vida além do Fisterra. Os mitos da Antiguidade poderão ecoar para sempre mas não importa o que dizem sem razão: o fim da península e da Europa continental será sempre no nosso Cabo da Roca.
Paulo Vyve