Arrastei-me, depois de duas curtas noites de sono, para o aeroporto. Na rua ainda escura esforcei-me por me convencer que em poucas horas estaria estendido numa praia. O caminho ofusca o destino mas, com tempo, a memória selecionará o que importa preservar.
Já com os pés na Sardenha a bagagem não queria aparecer. Após um momento de incredibilidade, partilhado com uma dúzia de passageiros na mesma situação, a mala emergiu no tapete. Desesperei depois uma hora e meia na fila do rent-a-car até me sentar no Citroën C3 Picasso (graças a um upgrade gratuito).
Rapidamente procurei a Spiaggia del Poetto colada a Cagliari para finalmente relaxar. A praia é longa (com cerca de 6 quilómetros) e a sua envolvente é curiosa: a este e oeste vêem-se colinas; a norte há intermináveis salinas; a sul está, previsivelmente, o mar.
Regressei à praia no dia seguinte onde o mar, sem ondas, estava pintado num azul claro. A proximidade à cidade torna-a concorrida e é o destino de quem anseia por uns raios de sol a meio de um dia de trabalho. Contudo, pelo menos em Setembro, sobrou espaço para todos.
A cidade de Cagliari não seduz no primeiro encontro nem no segundo. As históricas ruelas do bairro Marina estão repletas de lojinhas e de pequenas esplanadas sem cores alegres. A zona do castelo não acrescenta muito de novo nas suas ruas estreitas e pouco cativantes. Numa pausa devorei um gelado e acreditei que deveria adoptar este ritual diariamente.
Saí da cidade e rumei à Spiaggia di Solanas serpenteando a costa com a povoação e a areia visível no horizonte. A praia é um sossego mesmo com a proximidade das casas. O sol não brilhou com todo o seu esplendor mas foram óptimas horas.
Quando parei em Villasimius, que é puramente turística e desinteressante, chegaram os pingos da chuva. Num piscar de olhos instalou-se uma chuva torrencial e regressei encharcado ao carro. No hotel pesquisei preocupado as previsões meteorológicas e a ameaça de chuva deixou de ser um fantasma. Choveria mais.
Ajustei os planos e, no dia seguinte, em vez de seguir para a Costa Rei optei pela costa ocidental que a tecnologia assegurava estar mais veraneante. Parei em Iglesias e passeei pela zona antiga com alguma decoração urbana mas a cidade estava literalmente fechada. Apenas um ou outro café mantinham a porta aberta e segui viagem.
A Spiaggia di Fontanamare é descrita como ventosa e eu não a senti de outra forma. Uma brisa forte (mas quente) percorria a areia enquanto papagaios voavam nos céus. O fundamental não escasseou: sossego. O sol aqueceu a pele e o sopro do vento com o enrolar das ondas embalaram (sem chuva).
Conduzi no dia seguinte para a adiada Costa Rei. O sol brilhou e fui espreitando as praias. A paisagem é linda e perde-se de de vista o areal. A água calma e morna não mereceu reparos. A Spiaggia di Costa Rei seria uma perfeita praia se fosse deserta mas mesmo popular continua a ser óptima.
Subi para norte para a Costa Smeralda e alojei-me em Arzachena que não sendo um local particularmente interessante tem o dom de ficar perto de tudo. Nada de desejos requintados: apenas procurei areia e mar.
A primeira paragem foi na Spiaggia del Romazzino que apesar de longa pecava na escassez de locais para estender a toalha. As espreguiçadeiras de dois resorts ocupavam uma boa parte da areia grossa. A água, pelo contrário, pintava-se num azul fino e cosmopolita que se tornou irresistível.
A escassos 2 quilómetros está a Spiaggia del Principe publicitada como uma das maravilhas da zona. Não foi essa a minha opinião.
Abro um parêntesis para comentar o problema do estacionamento. Encontrar um lugar gratuito é árduo e os parques pagos praticam a arte de exagerar no preço. O drama é que quando um preçário parece absurdo surge a seguir outro que o converte numa pechincha.
Em Porto Cervo avaliei a marina e reparei que existem várias competições secretas: o maior iate; a tripulação com a farda mais elegante; o tapete de boas vindas mais luxuoso. Sem eufemismos, que não são necessários, julgo que além da opulência das vitrinas e das embarcações sobra pouco. A povoação é uma casa de bonecas, nem sempre com bom gosto, repleta de curiosos com olhares impressionados.
O dia seguinte foi integralmente dedicado à Cala Brandinchi com a alcunha de “Little Tahiti”. Será de certeza um exagero mas a praia é maravilhosa. A água na baía era cativante e viciante. Existem pequenas clareiras elevadas no início das dunas que oferecem um espaço quase privativo para a toalha e a perspectiva de um balcão superior. O sol a brilhar no céu completou a fotografia.
Na costa norte, junto a Santa Teresa Gallura, mergulhei-me na urbana Spiaggia Rena Bianca. Na cidade, que estava mais povoada do que tinha suposto, cumpri o ritual de entrar numa geladaria.
Participar em excursões não me seduz mas para alcançar as mais cobiçadas e desertas praias do Arcipelago di la Maddalena naveguei pelo Parque Natural com visita guiada. Com o isolamento das ilhas desabitadas as praias são como um refresco no pico do verão. Além do luxo que é atracar na praia de barco.
No regresso houve uma paragem na ilha La Maddalena (que dá o nome ao arquipélago) na cidade que curiosamente mantém a mesma designação. O centro histórico estava deserto à espera dos barcos e dos seus passageiros.
Fui até ao Capo Falcone onde está a famosa Spiaggia della Pelosa com uma paisagem única. As águas misturavam diferentes tons de azul à frente dos olhos e a poucos metros, numa pequena ilhota, uma antiga torre de vigia do século XVI oferece um carisma especial à praia.
À chegada a Alghero tornou-se indisfarçável a chuva que o céu encoberto andava a ameaçar. A cidade em si não é bonita mas o centro histórico tem algum interesse. Estava minimamente cuidado e tinha diversas zonas pedonais.
No dia seguinte, os anunciados 654 degraus, desde o topo do do Capo Caccia, não me inibiram de visitar a Grotta di Nettuno. As viagens de barcos estavam suspensas pela agitação marítima e supus que poucos seriam corajosos para enfrentar o desnível. Enganei-me! À beira-mar, junto à entrada da gruta, dezenas de pessoas esperavam para entrar. O interior da gruta é majestoso, como muitas das obras da natureza, mas infelizmente o percurso autorizado cingiu-se a uma galeria. O regresso ao carro obrigou à divertida subida.
Depois de uma rápida paragem na minúscula praia Cala Dragunara, onde não encontrei mais do que uns escassos metros de areia (possivelmente por culpa da maré), descontraí na mais espaçosa Spiaggia del Lazzaretto com Alghero no horizonte.
Terminar uma viagem implica sempre regressar. Por isso saí de Alghero, pelas melhores estradas da ilha, para Cagliari onde devolvi o carro desgastado com mais 1.480 quilómetros. Voei de regresso a casa convencido que as praias na Sardenha são boas mas que o paraíso continuará em mares mais distantes.
Paulo Vyve